No norte da Albânia, lá onde a maioria das pessoas e até mesmo a polícia têm medo de pôr o pé, Liljana Luani leva livros, utensílios domésticos, e muita experiência na ajuda a famílias marcadas pelos assassinatos.
Esta professora de 56 anos, de Shkodra, no norte da Albânia,visita as aldeias nas montanhas remotas, onde há crianças fechadas e escondidas pelas famílias por causa de uma tradição de séculos.
Veio a uma casa, onde uma mulher de 40 anos está retida com os três filhos adolescentes,. O marido está preso por assassinato. Os dois rapazes mais velhos refugiam-se num quarto, aparentemente com vergonha de admitirem que não podem sair de casa. Luani ensina o filho mais novo na esperança de que isso ajude a sair deste ciclo de violência.
“É isto que me leva a ir de porta em porta, visitar estas crianças que têm os problemas dos feudos de sangue. Vivo com os sofrimentos, a dôr e a mágoa destas famílias e estou cada vez mais envolvida”, afirma.
O costume assenta na vingança e na honra da família e só os homens são implicados diretamente. Trata-se do Kanun, um código de conduta criado no século XV, onde a permissa máxima é a de que a morte se vinga com a morte, mas que define que os assassinatos não podem ser cometidos em casa, nem diante das mulheres. Luani recorda o caso de um jovem que insistiu em ir à escola e foi morto a tiro numa embuscada.
“Era meu aluno. Há dois anos que o mataram. Era um adolescente. Nunca vou esquecê-lo. Ainda ouço a voz e o riso dele nos corredores da escola, quando eu o despenteava e ele tentava ajeitar o cabelo. Nunca o esquecerei. Esta desgraça caiu-lhe em cima e o feudo de sangue não lhe poupou a vida”, conta.
O que é o Kanun
O Kanun é um termo grego, que define um código, que não se limita a pagar o sangue com o sangue, mas estabelece um conjunto de regras – em 12 livros – que regem todos os aspetos da vida quotidiana, desde a organização ecómica à hospitalidade, passando pela família, pelos papéis do homem e da mulher na sociedade, os casamentos, a gestão dos bens comuns e, sobretudo, a honra, pedra angular do sistema.
Na época, o objetivo do código era pôr fim às guerras intestinas entre os diversos clãs e visava estabelecer regras para os ajustes de contas, já que não podia evitá-los.
Essas regras, que ainda hoje se aplicam em diversas comunidades, e que ressurgiram em força, após a era comunista, impunham, por exemplo que: – cada vida humana se paga com outra escolhida na família do agressor; – os homens não podem ser mortos diante das mulheres, nem na casa da família; – o assassino deve comparecer no funeral da vítima; – a vingança deve ser exercida sobre um homem; – nem o nome do escolhido para executar a vingança, nem o nome do elemento do sexo masculino da família sobre a qual recai a vingança são conhecidos antecipadamente; – qualquer elemento masculino da família visada, com idade para manejar uma arma, pode ser o alvo da vingança, durante sete anos.
Na vendetta moderna, em algumas co
Esta professora de 56 anos, de Shkodra, no norte da Albânia,visita as aldeias nas montanhas remotas, onde há crianças fechadas e escondidas pelas famílias por causa de uma tradição de séculos.
Veio a uma casa, onde uma mulher de 40 anos está retida com os três filhos adolescentes,. O marido está preso por assassinato. Os dois rapazes mais velhos refugiam-se num quarto, aparentemente com vergonha de admitirem que não podem sair de casa. Luani ensina o filho mais novo na esperança de que isso ajude a sair deste ciclo de violência.
“É isto que me leva a ir de porta em porta, visitar estas crianças que têm os problemas dos feudos de sangue. Vivo com os sofrimentos, a dôr e a mágoa destas famílias e estou cada vez mais envolvida”, afirma.
O costume assenta na vingança e na honra da família e só os homens são implicados diretamente. Trata-se do Kanun, um código de conduta criado no século XV, onde a permissa máxima é a de que a morte se vinga com a morte, mas que define que os assassinatos não podem ser cometidos em casa, nem diante das mulheres. Luani recorda o caso de um jovem que insistiu em ir à escola e foi morto a tiro numa embuscada.
“Era meu aluno. Há dois anos que o mataram. Era um adolescente. Nunca vou esquecê-lo. Ainda ouço a voz e o riso dele nos corredores da escola, quando eu o despenteava e ele tentava ajeitar o cabelo. Nunca o esquecerei. Esta desgraça caiu-lhe em cima e o feudo de sangue não lhe poupou a vida”, conta.
O que é o Kanun
O Kanun é um termo grego, que define um código, que não se limita a pagar o sangue com o sangue, mas estabelece um conjunto de regras – em 12 livros – que regem todos os aspetos da vida quotidiana, desde a organização ecómica à hospitalidade, passando pela família, pelos papéis do homem e da mulher na sociedade, os casamentos, a gestão dos bens comuns e, sobretudo, a honra, pedra angular do sistema.
Na época, o objetivo do código era pôr fim às guerras intestinas entre os diversos clãs e visava estabelecer regras para os ajustes de contas, já que não podia evitá-los.
Essas regras, que ainda hoje se aplicam em diversas comunidades, e que ressurgiram em força, após a era comunista, impunham, por exemplo que: – cada vida humana se paga com outra escolhida na família do agressor; – os homens não podem ser mortos diante das mulheres, nem na casa da família; – o assassino deve comparecer no funeral da vítima; – a vingança deve ser exercida sobre um homem; – nem o nome do escolhido para executar a vingança, nem o nome do elemento do sexo masculino da família sobre a qual recai a vingança são conhecidos antecipadamente; – qualquer elemento masculino da família visada, com idade para manejar uma arma, pode ser o alvo da vingança, durante sete anos.
Na vendetta moderna, em algumas co
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