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  • há 6 dias

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00:00:00Olha o interesse no ar aí, gente.
00:00:28Muito prazer, eu sou a Renata Zaccaroni, seja bem-vindo à nossa live aqui no canal de O Tempo no YouTube.
00:00:35Tem também quem esteja nos ouvindo aí nos principais tocadores de podcasts, mas se você estiver no YouTube, vou te dar uma dica.
00:00:42Inscreva-se no nosso canal e ativa também as notificações.
00:00:46Assim, toda vez que a live do Interessa Começar, você recebe um aviso no seu telefone e acompanha tudo desde o comecinho mesmo, tá?
00:00:53Ó, solta o like, que pra gente é muito importante, deixa um comentário no nosso espaço aí, ó, do chat, que é justamente por um debate,
00:01:00e compartilha com a sua galera o nosso conteúdo.
00:01:03Hoje eu tenho certeza que a gente vai esclarecer dúvidas de muita gente, inclusive as minhas.
00:01:08Primeira pergunta, como você quer morrer?
00:01:13Que isso, Zaccaroni? É isso mesmo.
00:01:15Ortotanásia, eutanásia, distanásia e diretivas antecipadas.
00:01:21O que é isso?
00:01:23Já ouviu falar?
00:01:24Peguei pesado na pergunta, gente.
00:01:26I'm so sorry.
00:01:27Parece muito dura.
00:01:29Desculpa de novo.
00:01:30Mas olha só, tem uma segunda informação muito chata que eu vou trazer pra vocês, tá?
00:01:35É que a única certeza que a gente tem na vida é que todo mundo vai morrer um dia.
00:01:39E aí, por que não falar de morte, gente?
00:01:41Por que não?
00:01:42Pode admitir, a maioria responde quando questionada,
00:01:45Ah, eu adoraria morrer dormindo.
00:01:47E a verdade é que esse é um privilégio de pouquíssimas pessoas, né?
00:01:52Já parou pra pensar que o incômodo com esse assunto pode estar justamente no silêncio que a gente faz em torno dele?
00:02:00Por isso hoje o Interessa aborda a morte, mas com dignidade.
00:02:05E o que isso implica na realidade?
00:02:06Quem responde pra gente é a nossa convidada do dia, que já é parceira do Interessa, tá?
00:02:13E muito querida.
00:02:14Doutora Juliana Elias Duarte, médica geriatra, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia na Sessão Minas Gerais.
00:02:24E professora de Ciências Médicas na Faculdade de Ciências Médicas, perdão.
00:02:28Além de coordenadora do Serviço de Geriatria do Hospital Horizonte.
00:02:32Seja bem-vinda de novo.
00:02:33Obrigada, Renata. Obrigada, gente.
00:02:37Um prazer estar aqui conversando sobre esse tema sensível, né?
00:02:41Aliás, foi uma pauta que nasceu na sua última passagem pela bancada do Interessa, né?
00:02:47Nos 45 segundos do tempo, fechamos as câmeras e começamos a debater.
00:02:51Aí surgiu, nasceu essa pauta.
00:02:53Quem também estava aqui naquela ocasião e que falou,
00:02:56nossa, isso tem que virar tema do Interessa, era Flaviane Paixão.
00:02:59Ei, gente! Tudo bem com vocês? Vale esse assunto novamente, né?
00:03:05Então, bora lá.
00:03:06Muito.
00:03:06Muito.
00:03:07Quem também está aqui?
00:03:08Renatinha Nunes.
00:03:09Ei, gente, um beijo para todo mundo que está acompanhando o Interessa.
00:03:12Vocês estão guardando a doutora Juliana só para vocês?
00:03:15É nossa!
00:03:17Ela é nossa!
00:03:18Também, porque é a primeira vez que eu participo de um episódio com ela, né?
00:03:23Estou muito feliz, porque já tinha ouvido muito falar nela, né?
00:03:26Os meninos adoraram a participação, mas agora elas estão resolvendo dividir, tá, doutora Juliana?
00:03:32Elas são as minhas também, né?
00:03:33São muito egoístas.
00:03:36Mas a gente não te divide tão bem, então está tudo certo.
00:03:38Mas sim, um tema muito sensível e principalmente muito importante, porque precisamos falar sobre a morte, né?
00:03:46E é um assunto que a gente desvia muito, principalmente no dia a dia ali, sempre vida, vida, vida e a morte é um tabu.
00:03:55Por que a gente tem medo, né, gente, de falar da morte? Vamos lá.
00:03:57Olha só, em outubro do ano passado, o Brasil parou diante da despedida do poeta Antônio Cícero.
00:04:05Ele escolheu a eutanásia na Suíça depois de receber o diagnóstico de Alzheimer.
00:04:10E foi muito claro, queria morrer com dignidade.
00:04:14Mas e aqui? Por que ainda é tabu falar sobre o fim da vida de forma consciente, planejada e respeitosa?
00:04:21Quantas pessoas vivem em sofrimento físico e mental, sem perspectiva de melhora e que não têm o direito de decidir como e quando partir?
00:04:32O tema do interessa dessa quarta, para muitos, é pesado.
00:04:35Mas ignorá-lo, gente, é ainda mais cruel.
00:04:39Muita gente nem sabe que são as diretivas antecipadas de vontade.
00:04:43E eu vou dizer para vocês que eu descobri na última vinda aqui da doutora, ao interesse, que eu nunca tinha ouvido falar nisso na minha vida.
00:04:49Vou deixar para a doutora explicar depois, tá bom?
00:04:51Mas já adianta autonomia e privilégio.
00:04:56O que fazer quando um tratamento vira uma tortura?
00:04:59Por exemplo, qual a diferença entre eutanásia, ortotanásia e distanásia?
00:05:05A gente está pronto para respeitar o desejo de quem não quer mais se submeter a procedimentos invasivos só para adiar o inevitável?
00:05:13Não interessa, a gente debate o direito de morrer com a mesma dignidade que a gente vive.
00:05:18É possível conversar sobre isso em família, sem culpa ou julgamento?
00:05:24E o que a medicina pode e deve fazer diante de um paciente terminal?
00:05:28E mais?
00:05:29Vocês estão achando que acabou?
00:05:30Porque a gente aqui no Brasil está engatinhando num tema que é muito urgente.
00:05:34É urgente, gente.
00:05:35Casos reais têm trazido à tona essa discussão.
00:05:37Em alguns países já existe legislação sobre a morte voluntária assistida, em outros ainda enfrentamos o silêncio e a culpa.
00:05:46Aqui no Brasil, ortotanásia é legal, mas mal compreendida.
00:05:50Eutanásia, crime.
00:05:52Distanásia, uma prática mais ou menos comum.
00:05:54Entre direitos, medos, crenças e burocracias surge a pergunta que é inevitável.
00:05:59Como que você quer morrer, querido?
00:06:04Pergunta do dia.
00:06:05Você já pensou na forma como quer morrer?
00:06:08E quem deve decidir o futuro, o destino aí de uma pessoa ou de um paciente terminal?
00:06:14Ele próprio, a família ou a medicina?
00:06:17Você pode opinar aqui no nosso chat que já está aberto para o debate.
00:06:21Esse podcast tem a sua participação e se faz parte da sua vida.
00:06:25Interessa!
00:06:28Meninas, é pesado?
00:06:30Pesado?
00:06:31Pesado!
00:06:33Gente, mas é que eu queria compartilhar, achei tão interessante a forma como a nossa matéria traz.
00:06:39Pai, eu pedi a laroeira?
00:06:40Não, agora e na hora da nossa morte.
00:06:43Amém!
00:06:43Amém!
00:06:44É isso, né?
00:06:45Porque todos, bom, todos nós vamos passar por isso.
00:06:48Mas é impressionante como que a gente também carrega ainda mais a discussão de uma coisa que todo mundo vai passar.
00:06:55Ela não precisava ter esse fardo, apesar de sim ter muita dor, sofrimento, tristeza.
00:07:00Mas ela não deveria ter tanto fardo para falar sobre?
00:07:03Muito pudor, né?
00:07:05Será que?
00:07:06Não sei se é pudor, né?
00:07:07Não sei também se seria um pudor.
00:07:08Mas você falou da palavra medo.
00:07:10Eu acho que a palavra é essa.
00:07:11É medo.
00:07:12É medo.
00:07:12Sem dúvida a palavra é essa.
00:07:15Eu entendo a morte, a morte ao longo da minha vida, eu a enxerguei de diferentes formas.
00:07:21E eu acho que é isso um pouco que vai acontecendo com as pessoas, né?
00:07:24Ela vai se moldando dentro de processos, dentro do nosso amadurecimento também e diante das nossas vivências, né?
00:07:34O que a gente vive vai nos moldando.
00:07:38Mas ainda assim é difícil.
00:07:39Eu tinha muito medo da morte quando eu era uma criança.
00:07:44Na adolescência isso seguiu.
00:07:46Até hoje eu tenho um pouco de medo da morte.
00:07:49Principalmente de perder as pessoas que eu amo.
00:07:51Não exatamente de morrer.
00:07:53Mas antes eu tinha de morrer também.
00:07:57Morrer pra mim, pensar em morrer, pensar na minha morte era algo terrível pra mim.
00:08:01E que me fazia evitar falar sobre.
00:08:05Hoje já é diferente.
00:08:07Hoje eu já consigo falar sobre morte.
00:08:09Mas precisei de um longo caminho, né?
00:08:11Precisei completar 50 aniversários pra isso.
00:08:14E precisei perder pessoas também.
00:08:18Então acho que isso muda muito os cenários, né?
00:08:21Quando você perde a pessoa, dependendo da forma que você perde pessoas.
00:08:26Conforme as perdas.
00:08:28Eu vi mortes de jovens, de uma jovem de perto quando eu tinha 15 anos.
00:08:35Depois eu fui perder uma pessoa efetivamente muito tempo depois.
00:08:39Então assim, tudo isso tem a ver com o período que você está da vida.
00:08:44E como ali o seu entorno também está vendo essa morte.
00:08:47Porque a gente acaba tentando ensinar isso.
00:08:51Tentando.
00:08:52Tanto que outras culturas, como culturas orientais, por exemplo.
00:08:55Enxergam a morte de forma diferente.
00:08:58Né?
00:09:01A morte...
00:09:02Algumas pessoas...
00:09:04Por exemplo, eu e Flaviane antes do programa.
00:09:06Conversávamos sobre velório.
00:09:08Gente, tem coisa mais patética que um velório.
00:09:11Desculpa.
00:09:11Vocês vão...
00:09:12Eu vou falar disso de uma forma.
00:09:13Mas aquele corpo exposto pra mim, pro meu gosto.
00:09:17Aí a Renatinha aqui falando.
00:09:19Eu acho aquilo...
00:09:21De uma dureza, de uma angústia.
00:09:24Você chegar ali pra se despedir de alguém.
00:09:26Que tá ali naquele caixão aberto, cheio de flor.
00:09:29Que tem aquele cheiro forte.
00:09:31Aquilo pra mim é muito pesado.
00:09:33Aí eu vejo nos filmes, né?
00:09:35Aqueles velórios americanos.
00:09:37Que as pessoas normalmente sentam em igreja.
00:09:38Que tem um caixão que parece uma cama.
00:09:40Que custa carérrimo, né?
00:09:41Quando meu pai morreu, eu...
00:09:43Fui olhar aquele caixão.
00:09:45Tá pela hora da morte, literalmente.
00:09:46Então, ninguém...
00:09:47Mas que é muito utilizado nos Estados Unidos.
00:09:50Mas as pessoas ficam ali como se fosse numa igreja.
00:09:53Longe.
00:09:53Tem sempre uma foto.
00:09:55Então, assim.
00:09:55Eu acho que tem coisas que podem amenizar esse momento de dor.
00:09:59Mas acho ainda muito difícil.
00:10:01Então, acho que a morte é um processo.
00:10:02Um processo evolutivo.
00:10:04Atualmente, na minha vida, eu tento enxergá-la com mais poesia.
00:10:09Enxergar a morte com mais delicadeza.
00:10:13Entendo que...
00:10:14Principalmente por ter...
00:10:15Minha família é uma família que foi...
00:10:18Teve muita longevidade.
00:10:19Principalmente as mulheres.
00:10:21E eu pude conviver com o envelhecimento.
00:10:24Convivo.
00:10:25Eu tenho uma mãe de 88 anos, né?
00:10:26Muito bem ainda.
00:10:27Mas isso faz a gente pensar na morte com mais candura.
00:10:32Com mais leveza.
00:10:33Com mais poesia.
00:10:37Então, gente.
00:10:38Eu acho que a gente precisa, sim, repensar a morte.
00:10:41E a gente precisa, principalmente, falar da morte.
00:10:45É um assunto fechado nos almoços de família.
00:10:48É um assunto fechado entre as rodas de amigo.
00:10:52Mesa de bar.
00:10:52Então, nem pensar.
00:10:53Porque, teoricamente, é hora só de alegria, né?
00:10:55Corta o clima, né?
00:10:57Agora, doutora.
00:10:58Nessa mesma conversa, a Renatinha trouxe uma pontuação que eu achei...
00:11:02Inclusive, estou fazendo um recorte dessa conversa para trazer.
00:11:06Porque nós temos muitas ressalvas em trazer esse assunto.
00:11:12E também nós...
00:11:13E muito pé atrás e muito cuidado.
00:11:14Principalmente se a outra pessoa está com a saúde fragilizada.
00:11:17Esse não seria o momento, talvez, de conversar sobre esse assunto.
00:11:20A gente está falando assim, talvez...
00:11:22Existe um momento certo para introduzir esse tipo de assunto na vida de uma família?
00:11:27Você, como uma médica geriatra que cuida desse envelhecer,
00:11:31de fato, quando você traz uma conversa como essa com uma pessoa doente,
00:11:36pode ser indelicado, fica parecendo que você deseja uma abreviação ali daquela vida.
00:11:42Qual seria o momento ideal para a gente começar a falar sobre o fim da sua vida?
00:11:47A nossa.
00:11:47Bom, desculpa, na nossa.
00:11:51Em geral.
00:11:52Em geral.
00:11:52Ela entendeu.
00:11:54Entendi.
00:11:55Bom, gente, assim, como médica, né?
00:11:58Eu, por exemplo, eu me preocupo muito em falar sobre finitude,
00:12:04sobre escolhas de fim de vida,
00:12:06sobre o momento em que as doenças estão evoluindo,
00:12:10como é os pacientes ali no consultório,
00:12:11quando eu faço diagnóstico de condições incuráveis,
00:12:17né?
00:12:17De doenças incuráveis.
00:12:18Então, por exemplo, eu tenho muita gente no meu consultório,
00:12:21muito paciente com demências, vários tipos de demência.
00:12:24E eu sempre gosto de ir pontuando,
00:12:27eu vou pontuando com a família as fases.
00:12:30Olha, a gente está na fase inicial,
00:12:32não, agora é uma fase mais moderada,
00:12:34estamos de moderada para avançada.
00:12:36E até essa semana eu tive a oportunidade,
00:12:38tem um senhor que eu,
00:12:40que já é meu paciente aí há uns 5 anos,
00:12:42e a família é sempre muito presente,
00:12:44muito cuidadosa.
00:12:45E eu tive,
00:12:46ele esteve no consultório na segunda-feira,
00:12:48eu tive aqui, foi...
00:12:50Quarta.
00:12:51Quarta da semana passada,
00:12:52foi segunda dessa semana.
00:12:54E a gente conversou um pouco sobre isso,
00:12:57porque ele está realmente, assim,
00:12:58fazendo a transição da demência moderada à avançada.
00:13:04Então, assim, algumas coisas,
00:13:05eu já pedi, né?
00:13:06Já falei para a filha que estava presente,
00:13:10para a esposa,
00:13:11assim, a gente tem algumas coisas
00:13:12que já não são proporcionais.
00:13:15Então, assim, falando desse termo
00:13:18de proporcionalidade de tratamento,
00:13:20que ele é um termo importantíssimo
00:13:22para nós da saúde, né?
00:13:24Para a equipe de saúde.
00:13:26A grande chave para a gente medir ali,
00:13:29na hora que a gente está cuidando
00:13:31de uma pessoa em fase final de vida,
00:13:33a grande questão,
00:13:35um instrumento importante
00:13:36que a gente precisa utilizar,
00:13:38é a proporcionalidade terapêutica.
00:13:40Então, assim,
00:13:41a gente precisa entender
00:13:42qual é a situação daquela pessoa,
00:13:45eu faço muito,
00:13:46mexo muito com a mão, né?
00:13:47E ótimo, porque temos aqui
00:13:49várias gesticuladoras.
00:13:51É como se eu conseguisse
00:13:53definir numa escala
00:13:55como que está o meu paciente
00:13:57de uma forma geral, né?
00:13:58Aquela pessoa, vitalidade,
00:14:01a cabeça, saúde física mesmo,
00:14:04outras doenças,
00:14:05como que está o avançar dessa condição
00:14:07e eu conseguisse colocar ele numa régua.
00:14:10E o ideal para ele
00:14:12é um tratamento que seja proporcional
00:14:14na régua do tratamento,
00:14:17entende?
00:14:18Então, assim,
00:14:19com essa família eu tive a oportunidade,
00:14:20já comecei a conversar,
00:14:22falando, olha,
00:14:23ele já sabe,
00:14:24algumas conversas já aconteceram,
00:14:26desde o diagnóstico.
00:14:27É uma doença incurável,
00:14:28uma doença que varia a evolução,
00:14:30mas, né,
00:14:31em torno de 5,
00:14:3210, às vezes 15 anos de evolução,
00:14:35que vai acontecendo uma perda progressiva
00:14:37da autonomia,
00:14:39vai precisando de cuidados,
00:14:40cada vez,
00:14:40e vou orientando os cuidados,
00:14:42o planejamento da família.
00:14:44Mas, nesse momento,
00:14:45eu falei, olha,
00:14:45já tem algumas coisas
00:14:47que para ele são desproporcionais.
00:14:49Por exemplo,
00:14:50ser submetido a um procedimento cirúrgico
00:14:52maior agora não dá.
00:14:54Ele não vai tolerar,
00:14:55vai ficar muito confuso
00:14:56de estar em hospital,
00:14:57isso complica a internação.
00:14:59Então, assim,
00:14:59a gente começa a ir conversando.
00:15:02Isso é falar sobre morte.
00:15:04Porque, assim,
00:15:05a gente não morre,
00:15:07assim,
00:15:07quando que a gente morre?
00:15:08É até interessante.
00:15:09A gente morre na última respiração.
00:15:11A morte é um processo.
00:15:14Então, assim,
00:15:15a gente até faz diagnóstico da morte.
00:15:19Então, quando a gente está cuidando
00:15:20de uma pessoa ali
00:15:21nos últimos dias de vida,
00:15:23a gente tem alguns sinais
00:15:25que a gente observa,
00:15:26a gente fala,
00:15:27sinais de morte eminente.
00:15:30Então, e é um processo,
00:15:31a partir do momento que começou
00:15:32aquele processo de morte eminente,
00:15:34que a pessoa apresenta
00:15:35algumas mudanças nos dados vitais,
00:15:38no exame a gente percebe,
00:15:39na conversa a gente percebe,
00:15:41normalmente a pessoa vai falecer
00:15:43em dois a três dias.
00:15:45Então, assim,
00:15:46é um processo inexorável.
00:15:48Começou.
00:15:48E nessas conversas
00:15:49que você cita,
00:15:52existe negação
00:15:53por parte das famílias?
00:15:55Você consegue perceber
00:15:56isso nos consultores?
00:15:57A gente nega tudo
00:15:59o tempo inteiro, né?
00:16:00A gente vai não falar de morte.
00:16:02Já é uma negação.
00:16:03É uma negação.
00:16:04Tudo que nos incomoda,
00:16:06e aí qualquer luto
00:16:07que você tenha na sua vida,
00:16:09né?
00:16:09Porque você saber
00:16:10como a doença incurável
00:16:11é um luto.
00:16:13Porque você...
00:16:14É morte do quê?
00:16:15Não é a sua.
00:16:16Mas é a morte da sua expectativa
00:16:18infantil e errada
00:16:21de viver eternamente.
00:16:22Ah, então quer dizer
00:16:23que eu também vou morrer?
00:16:25Também.
00:16:26Vamos todos, né?
00:16:27Então, assim,
00:16:28a partir do momento que você tem
00:16:28um tempo delimitado de vida,
00:16:30aí você já...
00:16:31É outro luto.
00:16:33Ah, então eu não vou ver,
00:16:35por exemplo, meus netos.
00:16:36Ou então eu não vou ver...
00:16:38Então são vários lutos.
00:16:40Perdas, né?
00:16:41Que a gente tem na vida,
00:16:42de pessoas,
00:16:43relacionamentos,
00:16:45mudanças profissionais,
00:16:46desemprego...
00:16:47Então, são lutos.
00:16:48E a gente sempre reage
00:16:49com negação.
00:16:51Negação é uma reação humana.
00:16:54Quando a gente não fala
00:16:55sobre morte,
00:16:55é uma forma da gente
00:16:57negar um assunto
00:16:59que morte
00:17:01é tão ruim morrer
00:17:03por quê?
00:17:03Ah, porque eu vou...
00:17:04Vai ter um momento
00:17:05que eu vou parar de respirar
00:17:07e deixo de existir?
00:17:09Assim, sem pensar
00:17:09na questão espiritual?
00:17:11Não.
00:17:12É o que significa
00:17:13os nossos medos
00:17:14não é da morte em si.
00:17:16As perdas, né?
00:17:17A gente tem medo
00:17:18de perder as pessoas
00:17:19que a gente quer.
00:17:20A gente tem medo
00:17:20de ser esquecido.
00:17:22Não é?
00:17:23A gente tem medo de...
00:17:24Até o Eric Clapton
00:17:25teve medo de ser esquecido
00:17:26quando ele fez
00:17:26aquela música linda
00:17:27quando o filho faleceu.
00:17:29Sim.
00:17:29Você me reconheceria
00:17:30no céu se a gente
00:17:31se encontrar?
00:17:32Então, assim,
00:17:33é um medo de ser esquecido.
00:17:35É um medo de sofrer.
00:17:37Então, são os...
00:17:37E isso traz a negação.
00:17:39Faz parte desse processo.
00:17:41Não é assim a negação.
00:17:43Assim como...
00:17:44Existem vários outros...
00:17:46Outros...
00:17:46Outros sentimentos
00:17:49e atitudes
00:17:50que a gente tem
00:17:52diante de um diagnóstico
00:17:53de uma doença
00:17:55incurável.
00:17:57Eu recebi...
00:17:57Meu pai teve
00:17:58três cânceres.
00:17:59Ele morreu aos 78 anos.
00:18:03Na ocasião,
00:18:04pelo terceiro câncer.
00:18:05Mas ele já havia
00:18:06passado por dois.
00:18:09Isso foi aos 78 anos.
00:18:11Hoje, ele estaria
00:18:12completando 88.
00:18:14Então, tem 10 anos.
00:18:16Nessa ocasião,
00:18:17o primeiro câncer
00:18:18foi um câncer tranquilo
00:18:20com tratamento...
00:18:20Câncer de boca.
00:18:21de tratamento tranquilo.
00:18:23A gente sabia
00:18:24que não havia
00:18:26esse risco de morte.
00:18:29O segundo câncer
00:18:30foi bem complicado.
00:18:31Ele perdeu
00:18:31as cordas vocais
00:18:33porque foi na região
00:18:34da laringe.
00:18:35Todos ligados
00:18:35ao tabagismo.
00:18:38E ele perde a voz.
00:18:40Tem que fazer
00:18:40uma traqueostomia.
00:18:42E ele já começou
00:18:42a morrer ali.
00:18:44Ele viveu
00:18:45mais de 5 anos
00:18:47depois desse procedimento
00:18:49cirúrgicos,
00:18:50das sessões de radioterapia.
00:18:52Mas ele morreu
00:18:52em vida.
00:18:53Eu digo isso
00:18:54porque perder a voz
00:18:56para ele,
00:18:56que era um homem
00:18:57que cantava,
00:18:58que tocava,
00:18:59que tinha uma boemia
00:19:00dentro de si,
00:19:01já foi uma morte em vida
00:19:02porque gerou uma depressão,
00:19:04gerou uma tristeza profunda.
00:19:06Ele continuou dirigindo,
00:19:07fazendo coisas
00:19:08funcional.
00:19:10Mas perdeu
00:19:11uma coisa que para ele
00:19:12era muito importante,
00:19:13que era a voz.
00:19:14que era uma pessoa
00:19:16muito vaidosa.
00:19:17Então,
00:19:18de alguma forma,
00:19:18ele já morreu ali
00:19:19naquele momento.
00:19:20E o terceiro câncer,
00:19:21que foi realmente
00:19:22muito doloroso
00:19:24e trouxe todo
00:19:25esse processo
00:19:26de morte,
00:19:27a gente nunca esquece.
00:19:29Eu recebi um telefonema
00:19:30do médico dele,
00:19:31do último diagnóstico,
00:19:32e no telefonema
00:19:34ele falou assim para mim,
00:19:35a gente já tinha
00:19:36várias consultas,
00:19:37eu já sabia mais ou menos,
00:19:38ele falou,
00:19:38Renata,
00:19:40seu pai tem um câncer
00:19:41de base de língua.
00:19:43e eu pergunto
00:19:45da quimioterapia,
00:19:47ele falou,
00:19:48ele não tem condição
00:19:49física
00:19:51de fazer
00:19:52nenhuma quimioterapia.
00:19:55Ele precisa ganhar
00:19:56muito peso para isso,
00:19:57enfim,
00:19:58é o câncer de base de língua,
00:20:00é um câncer que definha
00:20:01o paciente,
00:20:02ele vai parando de comer,
00:20:03de se alimentar,
00:20:04e no final desse telefonema
00:20:06eu pergunto para ele,
00:20:08quanto tempo,
00:20:09doutor,
00:20:09quanto tempo ele vai viver?
00:20:11E ele me responde,
00:20:12um ano,
00:20:12meu pai morreu
00:20:13exatamente em um ano,
00:20:15um ano e pouquinhos,
00:20:16poucos meses.
00:20:17Então,
00:20:17o diagnóstico foi
00:20:18extremamente preciso,
00:20:19a gente já sabia que
00:20:21a morte estava se aproximando,
00:20:23e pior,
00:20:23ele também,
00:20:24embora ele quisesse,
00:20:26e no primeiro momento
00:20:27desse diagnóstico em diante,
00:20:29eu olhava para ele,
00:20:30eu via o quanto
00:20:31ele queria viver ainda,
00:20:33mas nos últimos meses
00:20:34era muito nítido
00:20:36que ele não tinha mais forças.
00:20:37e ele falou,
00:20:39ele foi colocar uma sonda gástrica,
00:20:41porque ele foi parando de comer,
00:20:42e ele falou,
00:20:44quando eu colocar essa sonda gástrica,
00:20:47ele falava,
00:20:48viu gente,
00:20:49tinha um aparelhinho
00:20:49que fazia falar,
00:20:51e ele escrevia ainda,
00:20:52ele conseguia escrever,
00:20:53ele falou,
00:20:54quando eu for colocar essa sonda,
00:20:55eu vou morrer,
00:20:56eu não quero colocar essa sonda.
00:20:58Então,
00:20:58a sonda foi retardada
00:20:59o máximo possível,
00:21:01mas quando ele foi colocar essa sonda,
00:21:03ele já não teve alta,
00:21:04e já não voltou para casa.
00:21:05E a gente tinha esse conhecimento,
00:21:08a gente tinha essa certeza
00:21:09de que tudo isso ia acontecer,
00:21:11mas ainda assim,
00:21:13era difícil.
00:21:14E foi aí que eu comecei
00:21:16a falar mais da morte,
00:21:17sabe doutora?
00:21:17Eu comecei a escrever sobre a morte,
00:21:20eu fiz algumas crônicas
00:21:22a respeito desse assunto,
00:21:24e entender que a vida finita,
00:21:26de fato,
00:21:27efetivamente,
00:21:28concretamente,
00:21:29apesar de já ter tido
00:21:30muitas outras mortes
00:21:31de pessoas próximas,
00:21:32quando você tem alguém
00:21:33que você cuida,
00:21:34quando você vivencia,
00:21:36e você inclusive viu
00:21:38a transformação dele
00:21:40em relação ao desejo,
00:21:42né?
00:21:42Demais,
00:21:43no olhar,
00:21:44isso é possível ver
00:21:44no olhar da pessoa.
00:21:46Isso faz parte.
00:21:47Ela quer permanecer ou ir, né?
00:21:48Ele nunca verbalizou isso,
00:21:51sabe gente,
00:21:51mas ele,
00:21:52isso ficou claro
00:21:53para quem conviver com ele.
00:21:55E os cuidados
00:21:56para a família
00:21:57são de fato
00:21:57muito pesados,
00:21:58né?
00:21:58Inclusive,
00:21:59esses cuidados
00:21:59paliativos,
00:22:00né?
00:22:01Que envolvem a pessoa
00:22:02já não conseguir sozinha
00:22:03no banheiro,
00:22:04que envolvem uma perda
00:22:05de peso.
00:22:05Meu pai morreu
00:22:05com 35 quilos.
00:22:07Nossa!
00:22:07É, participar disso,
00:22:10ficar ali no ambiente,
00:22:12né?
00:22:13E participar de todo
00:22:14esse processo
00:22:15é muito sofrido.
00:22:16Muito doloroso.
00:22:17Mas também é necessário.
00:22:19É necessário,
00:22:19faz a gente crescer.
00:22:20Igual os ritos, né?
00:22:21Igual essa questão
00:22:22que você começou,
00:22:23Renata,
00:22:23falando do velório.
00:22:25Também acho
00:22:26aquela cena ali
00:22:27não me agrada
00:22:28nem um pouco,
00:22:29sabe?
00:22:30Não tenho o menor desejo.
00:22:32Mas,
00:22:32os ritos,
00:22:34ser humano,
00:22:35a gente precisa muito
00:22:36ver as coisas,
00:22:39trazer as coisas
00:22:40para o material,
00:22:42né?
00:22:43Assim,
00:22:43independente de qualquer
00:22:44religião que você tiver,
00:22:46toda religião tem ali
00:22:47um símbolo, né?
00:22:48Pode ser Shiva,
00:22:51Nossa Senhora,
00:22:52imagem.
00:22:53É importante.
00:22:53Parece que a gente
00:22:54precisa materializar
00:22:55para a gente conseguir
00:22:57sentir.
00:22:58Por isso que a gente fala
00:22:59que às vezes
00:22:59perder uma pessoa doente
00:23:01é mais...
00:23:02Não que seja fácil, tá, gente?
00:23:03Nós não estamos falando disso.
00:23:05Mas você vê
00:23:05esse adoecimento,
00:23:06você vê essa dor,
00:23:07você entender a morte
00:23:08no processo
00:23:09do que uma pessoa
00:23:11que você perde de repente,
00:23:12às vezes por um acidente
00:23:13ou mais jovem,
00:23:14por um infarto.
00:23:16Enfim.
00:23:16Porque nesse momento
00:23:18que envolve o morrer,
00:23:20que é um processo,
00:23:22você vai aceitando, né?
00:23:23Você vai querendo,
00:23:25quando existe um amor
00:23:29e uma relação
00:23:31de cuidado,
00:23:33bem estabelecida,
00:23:36e principalmente
00:23:37quando não existe
00:23:38muito ruído ali
00:23:39de relacionamento
00:23:41entre a pessoa
00:23:42que está doente
00:23:42e quem está próximo, né?
00:23:44Principalmente culpa.
00:23:45é muito mais tranquilo,
00:23:47inclusive para a equipe médica,
00:23:49para a equipe de saúde,
00:23:50lidar.
00:23:51É por quê?
00:23:52Porque você quer realmente
00:23:55o que é melhor
00:23:56para aquela pessoa.
00:23:58Você não está querendo resolver
00:23:59um BO do relacionamento
00:24:02ali naquele momento
00:24:03da morte.
00:24:04Sim.
00:24:04Então fica muito mais fácil.
00:24:06Você fala assim,
00:24:06não, eu não aguento,
00:24:07mas eu e meu pai
00:24:08nessa situação.
00:24:10E outra coisa,
00:24:10a gente vai construindo
00:24:12as narrativas
00:24:13de acordo com
00:24:14o que a gente dá conta
00:24:15e que é melhor
00:24:17assim para a gente também,
00:24:18né?
00:24:19Então, por exemplo,
00:24:21quando acontece
00:24:23uma morte mais rápida.
00:24:26Essa de repente, né?
00:24:27Ou até uma morte
00:24:28por um câncer,
00:24:29mas que a pessoa,
00:24:29o meu pai também faleceu
00:24:30aos 78 anos,
00:24:32também com câncer,
00:24:33e ele,
00:24:34do diagnóstico
00:24:36até o dia que ele morreu
00:24:37foram três meses.
00:24:38O oncologista também acertou
00:24:40no tempo certinho.
00:24:41Um grande amigo meu,
00:24:43oncologista,
00:24:44paliativista,
00:24:45que cuidou do meu pai.
00:24:46E ele acertou o tempo.
00:24:49E qual que foi
00:24:50a minha narrativa?
00:24:52Meu pai é super independente.
00:24:53Até ele adoecer,
00:24:55ele andava
00:24:55cinco, dez quilômetros
00:24:56todos os dias,
00:24:57super inteirão,
00:24:58forte, ótimo.
00:24:59Foi assim,
00:25:00para o papai,
00:25:01foi a melhor coisa
00:25:02que poderia ter acontecido.
00:25:04Ele não ter ficado dependente,
00:25:06ele não ter, né,
00:25:07se visto naquela situação
00:25:08de fragilidade,
00:25:09ele não chegou a emagrecer,
00:25:11por exemplo.
00:25:11Então, a gente vai
00:25:12construindo narrativa
00:25:13que a gente dá conta também,
00:25:14dá conta com o que você apresenta, né, gente.
00:25:17E o que que isso mostra?
00:25:18Que a morte,
00:25:19ela precisa ser elaborada demais.
00:25:21E se a gente não falar disso,
00:25:23quando que a gente vai elaborar?
00:25:25E aí, o que a gente...
00:25:26Posso fazer?
00:25:26Claro.
00:25:27Eu tô falante hoje, né, gente,
00:25:29porque eu tenho história.
00:25:29Eu quero depois só perguntar
00:25:31uma coisinha relacionada
00:25:32aos cuidados paliativos também,
00:25:33para a gente entender.
00:25:33Em falar em elaborar,
00:25:35justamente o que você tá falando disso,
00:25:37eu tenho outro exemplo,
00:25:38porque quando eu perco o meu pai,
00:25:40meu filho tinha 13 anos na época,
00:25:43e ele ficou muito impactado.
00:25:45Inclusive, tendo uma crise de ansiedade,
00:25:47porque ele achou
00:25:48que a gente ia morrer também.
00:25:50Todo mundo que tava ao redor dele
00:25:51ia morrer.
00:25:52E a gente falava pouco
00:25:53sobre morte com ele
00:25:54quando criança,
00:25:55porque era um assunto
00:25:56que ele já nunca gostou.
00:25:58Desde criança,
00:25:59quando a gente conversava
00:26:00desse assunto,
00:26:00ele falava,
00:26:01eu não quero falar sobre isso.
00:26:03E assim,
00:26:03seguiu até essa fase
00:26:04de pré-adolescência.
00:26:06E na sequência da morte do meu pai,
00:26:07ele tem essa crise de ansiedade
00:26:09e esse medo da morte perdura.
00:26:12Como as famílias
00:26:14devem tratar a morte
00:26:16com as crianças?
00:26:17Com naturalidade,
00:26:20que é aquilo que a gente não tem
00:26:21e não sabe fazer.
00:26:24A gente tem que aprender.
00:26:25Porque assim,
00:26:26a morte não é natural?
00:26:27Morrer não faz parte da vida?
00:26:29Então assim,
00:26:31a gente tem que lidar
00:26:32com naturalidade.
00:26:33É claro que a gente não tem
00:26:34que também começar
00:26:35a falar de morte
00:26:36espontaneamente
00:26:37sem nada ter acontecido.
00:26:39Uma criança de 4, 5, 6 anos
00:26:41que vai ter,
00:26:41que tá muito, né,
00:26:44tem muita dificuldade
00:26:45do concreto, assim,
00:26:46de entender.
00:26:48Você não tá vendo, né?
00:26:49Aquilo ali pode trazer questões
00:26:52pra ela que ela não vai conseguir lidar, né?
00:26:54Mas quando acontece,
00:26:56quando está acontecendo,
00:26:57a gente tem que lidar
00:26:59com naturalidade, né?
00:27:01A gente não pode passar,
00:27:02é por isso que a gente tem
00:27:03que se cuidar muito, né?
00:27:04A gente não deveria passar
00:27:05os nossos medos,
00:27:06as nossas dificuldades,
00:27:07o nosso pavor
00:27:08das crianças.
00:27:10A gente deveria lidar com isso
00:27:12com naturalidade
00:27:13e respeito.
00:27:15Por exemplo,
00:27:16minhas filhas,
00:27:17meu pai faleceu
00:27:18há 3 anos e meio,
00:27:19há 2 anos e meio
00:27:20a outra avó,
00:27:21a mãe do pai,
00:27:23delas,
00:27:24faleceu,
00:27:24elas não quiseram ir ali
00:27:26nas despedidas
00:27:27da avó,
00:27:28não quiseram muito
00:27:29próximo da avó,
00:27:30mas ok,
00:27:31a gente tem que respeitar muito
00:27:32e perguntar,
00:27:32você gostaria de ir ver?
00:27:35Por quê, mamãe?
00:27:36Como que vai ser?
00:27:36Ah, vai ser assim,
00:27:37vai ser assim,
00:27:38vai acontecer isso,
00:27:38é uma despedida.
00:27:40Não, não gostaria,
00:27:41tá bom.
00:27:41Ótimo, tudo bem.
00:27:43Não ficar insistindo,
00:27:43ah, isso é importante
00:27:44pra você.
00:27:45Não, porque tudo
00:27:46que a gente fala
00:27:47do outro
00:27:48é muito mais da gente, né?
00:27:50Então, assim,
00:27:50o medo,
00:27:51eu quero falar
00:27:52de uma coisa interessante
00:27:53que se chama
00:27:56conspiração do silêncio.
00:27:58Vocês já ouviram
00:27:59falar disso?
00:28:00Não.
00:28:00Não.
00:28:01Então, o que é
00:28:02conspiração do silêncio?
00:28:03Olha como que a gente
00:28:05espelha o dia inteiro
00:28:08o que é que tá na gente,
00:28:10né?
00:28:10É pra isso que serve
00:28:11a terapia,
00:28:12pra gente ver
00:28:13se tem alguma coisa
00:28:14que me incomodou na Renata,
00:28:15se incomodou
00:28:17é porque eu tenho, né?
00:28:19Então, assim,
00:28:19uma pessoa, vamos supor,
00:28:20um familiar
00:28:21está com câncer
00:28:23em estágio avançado.
00:28:25Aí você
00:28:26faz esse diagnóstico
00:28:28e aí você,
00:28:30por exemplo,
00:28:30fez uma endoscopia
00:28:32e tá ali aguardando
00:28:32o resultado da biópsia,
00:28:34mas parece que é
00:28:35realmente pelo aspecto.
00:28:37Quando você tá andando
00:28:38no corredor do hospital
00:28:39indo pro quarto,
00:28:40já vem três filhas
00:28:41desesperadas
00:28:42no corredor.
00:28:42Doutora,
00:28:43não fala.
00:28:45Não fala com ele.
00:28:46Ele não dá conta
00:28:47de saber.
00:28:48Se ele souber,
00:28:48ele vai morrer.
00:28:49não, né, gente?
00:28:51Ele vai morrer,
00:28:51mas não é porque
00:28:52ele vai saber.
00:28:53Não é por aí.
00:28:55Então, assim,
00:28:55o que é isso?
00:28:56É a pessoa ter um medo
00:28:57tão grande
00:28:59da morte
00:29:00que ela já acha
00:29:01que o outro
00:29:02que tá em uma doença
00:29:03grave naquele momento
00:29:04tem o mesmo medo
00:29:05que ela
00:29:05e que seria tão
00:29:07pavoroso
00:29:08que é melhor morrer
00:29:08sem saber.
00:29:09né?
00:29:10Então,
00:29:11a conspiração
00:29:12do silêncio
00:29:12ela pode acontecer
00:29:13envolvendo várias partes,
00:29:15né?
00:29:16Por exemplo,
00:29:17essa família,
00:29:18essas filhas
00:29:19desesperadas,
00:29:20né?
00:29:21O pai, vamos supor,
00:29:22o pai tá lá
00:29:22no quarto do hospital
00:29:24e pra ele,
00:29:25vamos supor,
00:29:25que a morte
00:29:26tá mais bem resolvida,
00:29:27ele já passou por muita coisa,
00:29:28já viveu várias situações,
00:29:29aí ele vai falar,
00:29:30gente,
00:29:30esse negócio no estômago meu
00:29:31não é bom.
00:29:33Eu não tô achando
00:29:34que isso é boa coisa,
00:29:35não, viu?
00:29:35Sabe por quê?
00:29:36Não tô comendo direito,
00:29:38já tem muito tempo,
00:29:38tô só emagrecendo,
00:29:40com tanta gente que eu conheço
00:29:41que teve câncer,
00:29:42ele tava assim,
00:29:43ô fulano,
00:29:43eu tô falando com você,
00:29:44esse negócio não vai vir.
00:29:45Não, papai,
00:29:46não fala nesse assunto,
00:29:47não vamos esquecer,
00:29:48vamos pensar positivo,
00:29:50vamos olhar pra frente,
00:29:51tem isso,
00:29:52não, não fala,
00:29:53que conversa boba.
00:29:54O que que o pai faz?
00:29:55Ele quer poupar as filhas,
00:29:57ele para de falar.
00:29:58Então, o médico chega,
00:29:59tá tudo bem,
00:30:00tá,
00:30:00tá tudo bem.
00:30:02Aí chega pra filha,
00:30:02tá tudo bem,
00:30:03tá,
00:30:03hoje tá sentindo isso,
00:30:04mas existe aquela conspiração,
00:30:08né,
00:30:08então a pessoa que tá ali
00:30:09com uma doença grave,
00:30:11incurável,
00:30:11que gostaria de conversar
00:30:12com a família,
00:30:13às vezes até é uma coisa prática,
00:30:14ó, tem um problema
00:30:15que eu preciso resolver,
00:30:17que eu, né,
00:30:18eu tenho que resolver isso
00:30:19enquanto eu estiver bem,
00:30:20ainda em condição,
00:30:21essas conversas nem,
00:30:22elas não acontecem.
00:30:24Meu pai fez tudo,
00:30:25ele mesmo foi lá,
00:30:26comprou,
00:30:27comprou a lápide,
00:30:29cemitério,
00:30:30resolveu tudo.
00:30:32É,
00:30:32isso é forte,
00:30:33ele foi,
00:30:34não é comum,
00:30:35a gente só teve que escolher
00:30:37o caixão,
00:30:39essas coisas,
00:30:39mas já tava,
00:30:40aliás,
00:30:40gente,
00:30:41isso é terrível,
00:30:42não recomendo a ninguém,
00:30:43mas já tava tudo pago,
00:30:44ele deixou tudo pago.
00:30:46É,
00:30:46e ele foi além,
00:30:47né,
00:30:48ele foi muito além
00:30:48do que geralmente as pessoas vão.
00:30:49Mas ele não falou sobre conosco,
00:30:51mas ele deixou tudo organizado.
00:30:54É,
00:30:54meu pai me perguntou
00:30:56se tava morrendo,
00:30:58é difícil, né?
00:30:59Qual que foi a resposta?
00:31:00Então,
00:31:02sou filha, né gente?
00:31:04Mas assim,
00:31:05foi uma coisa engraçada,
00:31:06foi tudo muito rápido,
00:31:07o papai sempre teve muita noção do corpo dele,
00:31:09muito ligado,
00:31:10assim,
00:31:10e aí um dia ele me ligou,
00:31:13eu tava trabalhando,
00:31:14ele me ligou no hospital,
00:31:16tava no hospital,
00:31:17e ele já tinha sido internado
00:31:21pra fazer os exames,
00:31:22e já tinha,
00:31:24os resultados já estavam saindo,
00:31:25eu já sabia,
00:31:27né,
00:31:27do que era um câncer mesmo,
00:31:30e a gente precisava estadiar,
00:31:32ver onde,
00:31:32ele já sabia também,
00:31:34ele sabia que era um câncer,
00:31:35foi um câncer de bexiga,
00:31:36então ele sabia que era um câncer,
00:31:38mas a gente não sabia
00:31:39se tinha metástases,
00:31:40assim,
00:31:40eu já imaginava,
00:31:41porque ele abriu o quadro
00:31:43com uma fratura de fêmur,
00:31:44e a fratura já era uma metástase,
00:31:46foi assim que descobriu.
00:31:48Então,
00:31:48eu já sabia,
00:31:49de alguns resultados,
00:31:50aí ele me liga e fala assim,
00:31:51minha filha,
00:31:53e os resultados dos exames?
00:31:54que ele tinha ficado 24 horas
00:31:55no hospital que eu trabalho,
00:31:56fazendo todos os exames.
00:31:58Já estão chegando?
00:31:59Já, pai,
00:32:00já tem alguns resultados.
00:32:02Então,
00:32:02pode me falar,
00:32:03eu estou morrendo?
00:32:05Desse jeito.
00:32:06No telefone.
00:32:07Eu falei,
00:32:07pai,
00:32:08eu vou aí,
00:32:08pra gente conversar.
00:32:10Ele,
00:32:10não,
00:32:10Ju,
00:32:11não precisa vir aqui agora,
00:32:12eu quero saber,
00:32:13eu estou morrendo?
00:32:14Assim,
00:32:14na lata.
00:32:16E aí,
00:32:17realmente,
00:32:17eu naquele momento,
00:32:18né,
00:32:19filha,
00:32:19mas ao mesmo tempo médica,
00:32:21e uma pessoa que sempre falou
00:32:22sobre comunicação de notícias difíceis,
00:32:25veio na minha cabeça um checklist,
00:32:27você acredita,
00:32:27de comunicação de notícias difíceis,
00:32:29pra eu não...
00:32:29O que você teria que falar?
00:32:31Aí eu falei,
00:32:31peraí,
00:32:31o que eu falaria?
00:32:32O que eu explicaria
00:32:33pros meus residentes nesse momento?
00:32:36Certifica de que ele sabe,
00:32:37porque no processo de comunicação,
00:32:40normalmente a gente,
00:32:41é construída essa comunicação,
00:32:43então você parte de onde a pessoa sabe,
00:32:45e vai trazendo informações
00:32:46de acordo com o que ela dá conta,
00:32:48você tem que ter essa percepção.
00:32:50E aí eu fui,
00:32:51cheguei e falei assim,
00:32:51e outra coisa,
00:32:53estratégia,
00:32:54eu viro pros residentes e falo assim,
00:32:55quando você não sabe a resposta na hora,
00:32:57ganha tempo.
00:32:59Então eu cheguei pro papai,
00:32:59eu falei assim,
00:33:00você tá achando, pai?
00:33:01Eu ganhei um tempinho,
00:33:02ao mesmo tempo eu fui me certificar.
00:33:04Ele,
00:33:04claro, minha filha,
00:33:05olha como é que eu tô,
00:33:06tô emagrecendo,
00:33:07não tô bem,
00:33:08fiz todos esses exames,
00:33:10essa fratura,
00:33:11pode me falar, Juliana?
00:33:13Nessa hora eu falei,
00:33:13ele tá preparado,
00:33:14porque ele falou,
00:33:15pode me falar, Juliana,
00:33:16eu estou morrendo?
00:33:17E aí eu tive uma sacada,
00:33:20assim,
00:33:20na hora,
00:33:21que eu não menti,
00:33:21porque a gente não pode mentir,
00:33:22eticamente de forma alguma, né?
00:33:25Falei,
00:33:25pai,
00:33:26estamos todos,
00:33:27todos,
00:33:28a gente tá na mesma fila,
00:33:30uns na frente,
00:33:31outros atrás,
00:33:32mas parece que você tá bem na minha frente.
00:33:35Então foi uma...
00:33:36Uma forma delicada.
00:33:37Uma forma mais delicada, né?
00:33:39E claro que fui pra casa dele,
00:33:41a conversa continuou,
00:33:42mas assim,
00:33:44tá vendo como que a gente tem até uma...
00:33:46A gente...
00:33:46Até a comunicação,
00:33:48né?
00:33:48Do profissional médico...
00:33:50É difícil, né?
00:33:50É difícil,
00:33:51e é uma habilidade
00:33:53que a gente não sai da faculdade com ela.
00:33:56É uma habilidade a ser desenvolvida
00:33:57e existe um conhecimento técnico
00:34:00pra você aprender e se apropriar disso, né?
00:34:04A Renatinha traz,
00:34:05no caso vivido por ela,
00:34:07sobre a manifestação do desejo do pai, né?
00:34:09E não colocar sonda e tal.
00:34:11Isso eu acho que é muito interessante
00:34:12pra conduzir essa...
00:34:14Eu esqueci a palavra...
00:34:15Diretivas...
00:34:17Diretivas antecipadas.
00:34:18Antecipadas, exatamente.
00:34:19Porque eu acho que ele já deixa claro
00:34:20como que ele quer ser cuidado,
00:34:21como que vai ser essa assistência
00:34:23ao longo dos próximos dias.
00:34:26Então, ele realmente já se antecipou
00:34:28a muita coisa ali,
00:34:29inclusive no seu tratamento, né?
00:34:30Ele já foi falando o que ele queria
00:34:32e o que ele não queria.
00:34:33Mas isso também não é o mais comum, né?
00:34:36Não, não é o mais comum.
00:34:37O que deve mais acontecer
00:34:39são as pessoas que querem prolongar
00:34:41a vida de qualquer maneira?
00:34:44As pessoas ou a família?
00:34:47Depende.
00:34:48Porque as pessoas, assim,
00:34:50a gente fala muito que as pessoas
00:34:52costumam saber, né?
00:34:55O que é que elas têm.
00:34:56E, geralmente, as pessoas buscam
00:35:00a vida com qualidade.
00:35:02Mas quando essa qualidade vai indo embora...
00:35:05O brilho sobre o dor.
00:35:05Vai deixando de ser interessante, né?
00:35:09Para a pessoa doente.
00:35:10Para a família, às vezes, não é junto.
00:35:13Demora um pouco mais, né?
00:35:16Diretiva antecipada.
00:35:17Então, isso que a Renato falou.
00:35:19O seu pai manifestou vontades.
00:35:22Então, assim, manifestação de vontade
00:35:24é o que a gente gostaria de discutir, né?
00:35:27Então, puxar assunto na família,
00:35:29conversar com as pessoas.
00:35:30Idealmente, quando a gente está bem,
00:35:34a gente não tem que deixar
00:35:34para conversar com os nossos filhos.
00:35:36Ah, eu adoeci.
00:35:37Agora eu vou sentar e vou falar
00:35:38isso e isso e isso com a minha família.
00:35:40Mãe, já começar a falar com o filho,
00:35:42ó, filha, eu não gosto muito disso.
00:35:45Isso eu não acho interessante.
00:35:46Você já está demonstrando a sua vontade.
00:35:49Nossa, eu sentar para falar isso
00:35:50com o meu filho, ele surta.
00:35:52É, é porque tem casos que são mais difíceis mesmo.
00:35:55Na juventude, um jovem ouvir isso de uma mãe
00:35:57é muito difícil.
00:35:58Aí eu te pergunto, isso pode ser escrito?
00:36:01Isso pode ser escrito?
00:36:04Diretivo antecipado de vontade, gente,
00:36:06é muito amplo.
00:36:08Qualquer coisa que você documenta
00:36:10antecipadamente que é a sua vontade
00:36:13é uma diretiva antecipada de vontade.
00:36:15Mas existe um tipo de diretiva antecipada de vontade
00:36:17que é o testamento vital.
00:36:20Que você fala dos seus desejos,
00:36:22das suas vontades de fim de vida.
00:36:25O ideal é que a gente faça isso,
00:36:28coloque isso no papel.
00:36:30Ou você faz da sua cabeça
00:36:32e depois você senta com um profissional de saúde,
00:36:35com um médico de sua confiança
00:36:36e discute se aquilo é viável,
00:36:38se não é uma loucura.
00:36:39Porque também não pode ser uma coisa
00:36:40muito fora da caixinha.
00:36:43Então, assim, faz sentido isso?
00:36:46Não, isso aqui a gente pode melhorar,
00:36:47isso aqui a gente pode melhorar.
00:36:48Então, o testamento vital é um testamento
00:36:52que você faz antes de adoecer idealmente.
00:36:56Não é quando faz um diagnóstico.
00:36:59E já deixa escrito, definido,
00:37:01o que faz sentido para você.
00:37:04Então, se eu estiver diante de uma doença incurável
00:37:06que não tem como melhorar,
00:37:08eu não quero morrer no CTI,
00:37:10por exemplo, faz sentido.
00:37:12Eu prefiro que vocês tentem em família.
00:37:15Se for possível, eu prefiro morrer em casa.
00:37:17Mesmo que isso antecipe um pouquinho ali a minha morte,
00:37:22para mim faz mais sentido.
00:37:24Eu prefiro morrer com as pessoas que eu gosto ao meu redor.
00:37:28Não quero ser submetida a isso, isso, isso.
00:37:30Se não for, se realmente for possível,
00:37:33se isso não for trazer nenhum benefício,
00:37:35se isso só estiver trazendo prolongamento
00:37:37de uma vida sofrida, não faz sentido.
00:37:40Então, isso tudo é o testamento vital.
00:37:44Não existe uma legislação sobre o testamento vital.
00:37:47Então, não existe uma regra que muita gente pergunta.
00:37:50O testamento vital tem que ser lavrado em cartório?
00:37:53Como não existe uma regra,
00:37:54ele não precisa necessariamente ser lavrado em cartório.
00:37:57Mas é bom que seja, assim,
00:37:59dar mais validade para o profissional que vai ali receber,
00:38:03vai ter um peso maior para ele poder seguir ali aquelas vontades, né?
00:38:07Para a família também, é um documento, assim, que traz.
00:38:10Então, é interessante que faça isso.
00:38:14Eu vi uma vez uma mulher que recebeu o diagnóstico de câncer
00:38:20e que ela já estava em estágio terminal
00:38:22e que ela optou, não para sobreviver a qualquer custa,
00:38:27mas por entrar em cuidados paliativos,
00:38:29entretanto, que não fosse num ambiente hospitalar.
00:38:31Tanto que virou uma série a vida dela,
00:38:33que ela documentou tudo até o último dia de vida dela,
00:38:36viajando o mundo, fazendo tudo que ela não tinha feito antes.
00:38:40Eu fiquei muito tocada com isso, tá?
00:38:42Mas eu queria que você falasse sobre os cuidados paliativos,
00:38:44nesse contexto também.
00:38:46Porque quando a gente fala de cuidados paliativos,
00:38:48a gente pensa, a gente é muita gente.
00:38:49Mas pensa, eu, por exemplo, eu pensava o seguinte,
00:38:53nossa, coitada dessa pessoa, está sobrevivendo a duras penas
00:38:56aqui na terra, na passagem dela, etc.
00:38:58Não, pelo contrário, né?
00:39:01É o garantir alguma dignidade,
00:39:03ou então que esse último momento dessa pessoa,
00:39:06nessa passagem pela terra, seja bom.
00:39:08Exato.
00:39:09Então, o objetivo do cuidado paliativo
00:39:11é ele trazer duas coisas,
00:39:14conforto e dignidade.
00:39:16O objetivo é trazer essas duas coisas o tempo inteiro,
00:39:20conforto e dignidade.
00:39:22Então, assim,
00:39:23quando a gente fala assim,
00:39:25porque o cuidado paliativo, ele não é assim,
00:39:27acabou o tratamento curativo,
00:39:30começou o tratamento paliativo no dia seguinte.
00:39:33Eles se misturam.
00:39:34O ideal é assim,
00:39:34houve um diagnóstico de uma situação crônica,
00:39:37grave, incurável,
00:39:38que já existam medidas paliativas
00:39:42de acordo com a necessidade.
00:39:44Então, assim, no início,
00:39:45vão pensar,
00:39:46uma pessoa tem uma doença pulmonar obstrutiva crônica,
00:39:49já grave,
00:39:50numa fase avançada da doença,
00:39:52mas ainda está longe de falecer disso.
00:39:55Mas você já vai cuidando dos sintomas,
00:39:57vai tratando a doença,
00:39:58mas ao mesmo tempo já vai se preocupando mais com sintomas,
00:40:01conversando,
00:40:02porque a comunicação é um dos pilares do cuidado paliativo.
00:40:06Envolvendo a família é um dos pilares,
00:40:08você envolver a família,
00:40:09cuidar da família,
00:40:11ajudar a todos,
00:40:12incluindo profissionais de outras áreas.
00:40:14Um fisioterapeuta fala,
00:40:16olha, não é qualquer curso,
00:40:17no dia que ele estiver muito cansado,
00:40:20pé leve,
00:40:21não precisa, assim,
00:40:21reabilitar qualquer curso também,
00:40:23vamos no conforto,
00:40:24é ele que define,
00:40:25é ele que vai dando o ritmo ali,
00:40:28né,
00:40:28da situação.
00:40:29Então, tudo isso são bases,
00:40:30são pilares do cuidado paliativo,
00:40:32que a gente fala.
00:40:33A doença vai se avançando,
00:40:35o nível do cuidado paliativo
00:40:37vai aumentando,
00:40:38até chegar no momento final,
00:40:40que a gente fala que o cuidado é exclusivamente paliativo,
00:40:43que você já não vai indicar medidas modificadoras da doença.
00:40:49Por exemplo,
00:40:49não fazer uma quimioterapia.
00:40:52Não fazer uma quimioterapia.
00:40:54É uma decisão.
00:40:55Parar uma quimioterapia,
00:40:57suspender um tratamento que naquele momento está fazendo mais mal do que bem.
00:41:01Aí eu pergunto para vocês,
00:41:02isso é eutanásia?
00:41:04Quando a gente suspende um tratamento que está fazendo mais mal do que bem,
00:41:08por exemplo,
00:41:09uma hemodiálise.
00:41:10A pessoa tem uma insuficiência renal grave,
00:41:13mas aí,
00:41:13ela está tão frágil,
00:41:15que também tem uma demência ali avançada,
00:41:17que toda vez que vai para a hemodiálise,
00:41:18passa mal,
00:41:18não consegue fazer tudo,
00:41:20tem uma hipotensão,
00:41:21chega pior do que foi.
00:41:22Isso é eutanásia.
00:41:23Porque na cabeça da gente,
00:41:25esses termos também se misturam.
00:41:26Inclusive,
00:41:27eu acho que é o momento para a gente ficar um por um.
00:41:30E tem uma coisa,
00:41:31o que eu queria até trazer,
00:41:33quando você fala dos cuidados paliativos e eutanásia,
00:41:36da última vez nós falávamos até da ortotanásia,
00:41:39que eu fiquei muito na dúvida,
00:41:40por terem entendido como sendo um braço dos cuidados paliativos,
00:41:43mas também não entendi muito bem qual é a diferença entre um e o outro.
00:41:47E tem uma coisa que eu ouvi recentemente também de uma família,
00:41:50que tinha um pai também com câncer,
00:41:54sobre a questão de desligar os aparelhos.
00:41:56Diante de um sofrimento que se prolongava para mais de 60 dias,
00:41:59que elas chegaram a perguntar para a enfermeira e para o médico responsável
00:42:03se aquilo poderia ser feito.
00:42:06E aí eu queria também saber a resposta,
00:42:07e qual é a resposta que vocês receberam da equipe médica?
00:42:10De jeito nenhum.
00:42:11A gente não desliga o equipamento.
00:42:14A gente aguarda a hora chegar.
00:42:16E mesmo elas já muito conformadas,
00:42:18não vai chegar em lugar nenhum.
00:42:21Para elas estava muito mais claro, né?
00:42:23É, não vai para lugar nenhum.
00:42:26O que a gente sabe, pelo histórico,
00:42:29agora é a hora da morte.
00:42:31E fato é que isso realmente aconteceu pouco tempo depois.
00:42:35Mas esse desligar aparelhos diante de um quadro que é inevitável,
00:42:40ele se enquadraria na eutanásia.
00:42:42Não.
00:42:42Não? Poderia?
00:42:44Bom, vamos falar disso então.
00:42:46A morte cerebral, um caso de morte cerebral, por exemplo.
00:42:49A morte cerebral é outra história, né?
00:42:51Que aí tem todo um protocolo.
00:42:53Que aí é morte, né?
00:42:55É considerada legalmente morte.
00:42:58Aí é o seguinte, gente, esses termos, vamos clarear, né?
00:43:03Eutanásia.
00:43:03Eutanásia não existe no Brasil.
00:43:06Não existe.
00:43:07É que eutanásia é antecipar a morte mesmo.
00:43:10Então, assim, é matar?
00:43:13Não deixa de ser, né?
00:43:14Eutanásia é isso.
00:43:16É um tipo de morte voluntária assistida.
00:43:20A eutanásia, né?
00:43:22Então, assim, existe a eutanásia que é feita por um profissional de saúde,
00:43:27infundir medicação.
00:43:30Então, olha só, infundir medicação com o objetivo de abreviar a vida,
00:43:35de causar a morte.
00:43:36Isso que significa eutanásia, que é um tipo de morte voluntária assistida,
00:43:41assistida por alguém, né?
00:43:43O suicídio assistido é uma outra modalidade de morte voluntária assistida,
00:43:49que é quando a pessoa assistida junto com outra, como equipe, infunde medicação.
00:43:55Isso que é feito na Suíça, em 14 ou mais países hoje em dia, né?
00:44:00Que são aprovados.
00:44:02No Brasil não existe eutanásia.
00:44:03Então, a gente não precisa nem falar assim.
00:44:04Como não existe eutanásia, e a discussão de eutanásia no Brasil é tão difícil,
00:44:09tão dura, tão complexa, que veio a tal da orto-eutanásia.
00:44:14Veio não.
00:44:14Isso é um termo que foi cunhado lá na Espanha muito tempo atrás,
00:44:18não sei se é a década de 70, 80,
00:44:20mas que o Brasil, no Brasil é onde mais se fala de orto-eutanásia.
00:44:25Porque é tão, assim, longe da realidade falar de eutanásia,
00:44:29que, então vamos falar de orto-eutanásia?
00:44:31Então, vamos falar da morte na hora certa?
00:44:35Como é que a gente pode fazer?
00:44:36Pra gente buscar a morte na hora certa.
00:44:39O que é correto em termos de suspender e aí desligar aparelho?
00:44:44Entra o que, ó?
00:44:45Desligar aparelho, suspender dieta, né?
00:44:49Todos, você suspender essas medidas mantenedoras da vida
00:44:55pra uma pessoa que esse prolongamento tá só causando sofrimento,
00:45:01isso entra dentro do conceito de orto-eutanásia, né?
00:45:05Então, assim, você suspender, essa discussão, gente,
00:45:09gerou até o processo da esquiavo lá, que foi, não...
00:45:13Não sei, do que que se trata?
00:45:14Então, se quiser até dar uma...
00:45:16Vou dar um Google.
00:45:17Dá uma gulgada.
00:45:18Vou dar um Google.
00:45:19Foi quando surgiu muito essa discussão do que é orto-eutanásia,
00:45:22distanásia, eutanásia.
00:45:25Foi com a história dessa mulher,
00:45:27que ela sofreu um acidente automobilístico,
00:45:31e ela, e aí, depois dela ficar ali em estado vegetativo persistente,
00:45:37não era, se fosse morte cerebral, era outra história,
00:45:39mas dela ter ficado em estado vegetativo persistente durante muitos anos,
00:45:44muitos anos, eu não lembro exatamente,
00:45:47acho que foram 15 anos que ela ficou em estado vegetativo persistente.
00:45:51Começou a ter uma queda de braço entre o marido,
00:45:54que era quem cuidava dela,
00:45:56e que não via mais sentido naquilo,
00:45:58e que já tinha conversado sobre morte com ela,
00:46:00e que gostaria de suspender a dieta,
00:46:03que era considerado uma...
00:46:05Era uma dieta artificial para manter a vida a qualquer custo,
00:46:12e os pais dela, que não eram a favor,
00:46:14que não queriam que suspendesse,
00:46:18e acabou que ele ganhou, depois de muita coisa,
00:46:20a dieta foi suspensa, ela faleceu 14 dias depois, parece.
00:46:24Em 1990, ela teve uma parada cardíaca,
00:46:27e ela morreu em 2005,
00:46:30duas semanas após ficar sem receber comida e água.
00:46:33Eu ouvi falar em orto-eutanásia pela primeira vez,
00:46:36eu era repórter aqui em O Tempo, em 99.
00:46:41E tem uma coisa muito interessante,
00:46:43a lápide dela.
00:46:45Dá uma olhada, como é que está escrita a lápide dela?
00:46:47Desculpa, ela é brasileira?
00:46:48Não.
00:46:49É americana?
00:46:50Olha aí a lápide dela, porque a lápide...
00:46:52Harry Schiavo.
00:46:53Harry Schiavo.
00:46:55A partir dela surgiu muito essa discussão da alimentação,
00:46:58suspender a alimentação é eutanásia,
00:47:00ou suspender a alimentação é orto-eutanásia.
00:47:03Então, assim, quando a gente fala, é difícil,
00:47:06quando a gente pergunta, é orto-eutanásia, é eutanásia,
00:47:08essa definição, ela é complexa.
00:47:11Mas o que a gente tem que entender é o que está por trás.
00:47:14Qual é o objetivo?
00:47:16Antecipar a morte?
00:47:18Aí a gente vai pensar em eutanásia.
00:47:19Ou é trazer conforto para uma pessoa
00:47:22que muitas vezes está tendo desconforto causado pelo aparelho,
00:47:27desconforto causado pela dieta.
00:47:28Porque uma pessoa que está morrendo, gente,
00:47:30seja de câncer, seja de um quadro demencial, por exemplo,
00:47:34ela começa a ter desconforto com a própria alimentação.
00:47:36Não tolera.
00:47:38Distensão abdominal, diarreia.
00:47:40Independentemente da morte, você pega um paciente qualquer
00:47:43que está submetido...
00:47:45Recentemente, minha mãe quebrou o fêmur.
00:47:48Já está ótima andando aí, sem ajuda de nada.
00:47:51Essa questão de pegar a veia para fazer ferro.
00:47:57Para fazer ferro venoso.
00:48:02Aquilo ali já foi uma luta tão invasiva,
00:48:04eu achei tão doloroso.
00:48:06A dor que ela sentiu nesses nove dias no hospital,
00:48:09injetando ferro, foi assim.
00:48:11Então, assim, eu fico imaginando essas pessoas
00:48:13que estão lá à beira da morte,
00:48:14que estão injetando tudo ali.
00:48:16Não tenha mais onde buscar uma veia.
00:48:19Então, assim, eu acho que isso é muito invasivo, sim.
00:48:22As pessoas já não...
00:48:23Pega a veia do pé, pega a veia do pescoço.
00:48:26Você vai buscando...
00:48:28Os médicos vão buscando todas as alternativas
00:48:30que eles podem ali dentro de um processo de tratamento,
00:48:32que para o paciente, para a pessoa que está ali na cama,
00:48:35é extremamente invasivo, né?
00:48:37E doloroso.
00:48:38Então, assim, o que está por trás da terminologia
00:48:40é muito mais a intenção.
00:48:42A intenção abreviar a vida para causar o bem.
00:48:45Porque ninguém que está fazendo eutanásia está querendo...
00:48:48É, mas ela é tão complexa porque ela é subjetiva.
00:48:52É.
00:48:52Depende de quem faz, depende de quem...
00:48:53Agora, o que a gente não deveria ficar fazendo é deutanásia.
00:48:57Que é outro termo, que é o que mais a gente vê hoje.
00:48:59O prolongamento.
00:48:59É o prolongamento de uma vida sem dignidade,
00:49:03com desconforto, sem os cuidados paliativos necessários,
00:49:08proporcionais, um cuidado desproporcional.
00:49:11Essa morte que foi afastada das pessoas, né?
00:49:14Assim, apartada da sociedade,
00:49:17que parece que só pode acontecer no centro de terapia intensiva.
00:49:21Então, assim, é isso.
00:49:22Esse prolongamento às custas do sofrimento,
00:49:25esse está fácil de entender, que a gente vê muito hoje.
00:49:28É a distanásia.
00:49:29A gente chama de distanásia.
00:49:31Eu quero só trazer umas participações, gente,
00:49:34porque tem muitas.
00:49:35A Alice Armanelli, Teraiana...
00:49:36Oh, saudade!
00:49:38Saudade dela!
00:49:39Beijo pra ela.
00:49:40E falou o seguinte, amigas,
00:49:41eu gostaria de fazer essa passagem linda e feliz.
00:49:44Ao longo da vida, a gente tem a oportunidade
00:49:45de se preparar pra esse momento de grande importância.
00:49:49Vivemos uma vida com um privilégio.
00:49:51E ela comentou que...
00:49:52Então, vamos nos preparar pra esse momento,
00:49:55preparar o nosso ciclo, pro nosso fim.
00:49:57Já pago o plano funerário há anos,
00:50:00e morando no Japão por anos,
00:50:01eu percebi o quão importante é preparar os mínimos detalhes.
00:50:05Nos detalhes, fazemos homenagens lindas.
00:50:07Olha como que é interesse cultural, né?
00:50:10Juversis Júnior, passa por aqui,
00:50:12prestigiando esse time maravilhoso e competente do Interessa.
00:50:16Preciso concordar com você, Ju.
00:50:18O Pedro Caldas falou que quer morrer de forma rápida,
00:50:21súbita, em dolor, não quer ficar em cuidados paliativos.
00:50:26E chegou uma participação aqui, gente?
00:50:28Eu quero.
00:50:29Acho que todos vão querer morrer assim.
00:50:31Não, não, eu não quero.
00:50:33Rápido, em dolor, esse trem.
00:50:34Não, em dolor sim, mas eu não quero morrer de repente.
00:50:38É poder dar tchau, né?
00:50:39Eu quero poder me despedir.
00:50:40É, eu acho que eu...
00:50:41Depois daquele dia que a gente falou,
00:50:42eu quero viver o processo.
00:50:44Eu quero viver o processo.
00:50:45Isso eu já tenho clareza.
00:50:47É duro falar isso, né?
00:50:48Mas eu prefiro, eu não quero morrer de repente.
00:50:50É, porque eu de repente, pode ser tipo agora.
00:50:52É, eu morro de medo de morrer.
00:50:54Por exemplo, eu sou uma pessoa que tem pânico de acidente de carro.
00:50:57Eu tenho pavor.
00:50:59É um jeito que eu não quero morrer.
00:51:00Deus, dá uma forcinha aí.
00:51:02Porque é algo que eu gostaria desse tom da despedida.
00:51:07De poder me despedir das pessoas, de lugares, enfim, da vida.
00:51:11É uma cerimônia, um rito.
00:51:13É, um rito.
00:51:13Eu também acho que faz sentido, gente.
00:51:17Eu acho que é ético, inclusive.
00:51:18Acabei de ver a lápide dela, gente.
00:51:20Mas aí depende das despedidas.
00:51:22A despedida que a Renatinha sugeriu, eu achei...
00:51:24Eu vou deixar para o fim do programa.
00:51:26Eu vou.
00:51:26Eu vou.
00:51:27Encantadora, porque eu acho que aquelas...
00:51:28Eu vou copiar.
00:51:30Ó, vamos dar a zela.
00:51:31A lápide da Terry.
00:51:34Tereza Marie Schiavo.
00:51:37Amada esposa, nasceu em 3 de dezembro de 1963, partiu desta terra em 25 de fevereiro de 1990, em paz desde 31 de março de 2005.
00:51:51Cumpri minha promessa.
00:51:53Corte, hein?
00:51:54O marido, o que ele fez na lápide?
00:51:57Ele colocou como a data da morte, a data que ela iniciou o processo de estado vegetativo persistente.
00:52:04E em paz desde o dia que ela pôde realmente...
00:52:07Descansar.
00:52:08É.
00:52:09Se livrar completamente do corpo, né?
00:52:11Que doida.
00:52:11Tem uma coisa que...
00:52:13E tá...
00:52:14Inclusive, a gente recomenda que vocês leiam a matéria em o tempo.com.br
00:52:18Que me chamou muita atenção, porque eles citam lá um livro que se chama O Dia em Que Eva Decidiu Morrer.
00:52:25Que é do Adriano Silva, jornalista, que ele conta a história de uma filósofa, né?
00:52:30Que partiu pra Suíça, foi a primeira brasileira a ir pra Suíça pra fazer o procedimento assistido.
00:52:37Mas ele comenta o que que...
00:52:40Dentro da vivência dele toda, ele fala assim, abre aspas,
00:52:44Impedir que as pessoas abandonem um quarto quando ele está em chamas é uma crueldade absurda.
00:52:53E é isso que nós, enquanto sociedade, fazemos hoje.
00:52:56É a autonomia, né?
00:53:19Ele fala muito da autonomia, do tanto que é o tema principal.
00:53:24O tanto que...
00:53:26Bom, a nossa sociedade tem uma questão cultural, religiosa, que traz um peso um pouco mais complexo também pra essas questões, né?
00:53:37Se critica muito a eutanase.
00:53:40Enquanto as pessoas, elas estão respeitando a autonomia.
00:53:44Igual o irmão da Marina Lima, que vocês citaram aí também, né?
00:53:47É, quem tá citado na matéria.
00:53:48Isso, que foi submetido à morte voluntária assistida na Suíça, por desejo.
00:53:54Então, essas pessoas criticam muito.
00:53:56Qualquer coisa que surge disso é muito criticado.
00:53:59É por isso que no Brasil a gente tá aqui tentando falar de orto-eutanase.
00:54:02Porque a eutanase, você é quase apedrejado ao falar, né?
00:54:05E não estou falando que eu assim, olha eu, ó.
00:54:08Eu tenho que me colocar.
00:54:10Não estou querendo dizer que eu defendo a eutanase.
00:54:12Mas eu considero que uma pessoa estando lúcida, com as suas questões psíquicas apaziguadas e dando conta de sua escolha, que a gente possa fazer as nossas escolhas, não é?
00:54:25Então, assim, as pessoas estão mandando decisão o tempo inteiro em vida, por que elas não podem tomar sobre a morte.
00:54:32Exato.
00:54:32Gente, eu preciso trazer essa participação, tá?
00:54:35Da nossa audiência.
00:54:36Olha só, muitos médicos não gostam de dizer quanto tempo em média uma pessoa ainda tem em vida.
00:54:41Estou passando por isso com o familiar.
00:54:43É a opção do médico essa transparência com a família?
00:54:45O que a ética médica diz sobre falar do tempo de vida com a família?
00:54:49Essa informação pode ser reservada ao doente, se assim ele pedir?
00:54:53Qual a prática para lidar com essas informações sobre a real condição de saúde do paciente?
00:54:58Bom, aí eu já vou te responder falando que, na verdade, não é tão simples a gente prognosticar.
00:55:07Então, prognosticar é sempre um desafio.
00:55:09A gente tem uma máxima que a gente fala, assim, na medicina, que é assim, ó, tudo que é bom não tem muito.
00:55:15Então, a gente tem tanto instrumento para tentar utilizar, para a gente fazer prognóstico, que é porque não existe nenhum perfeito.
00:55:23Então, existe como a gente saber mais ou menos, a gente ter uma previsão.
00:55:28Então, esses casos que a gente contou são casos mais precisos.
00:55:32No caso do câncer, da oncologia, é mais preciso.
00:55:36Mas, por exemplo, quando alguém me pergunta, olha, minha mãe com Alzheimer já tem 10 anos de Alzheimer.
00:55:42Quanto tempo ela tem de vida?
00:55:44Eu vou saber falar quando estiver aproximando do fim.
00:55:47Porque, assim, quando no último ano de vida, em geral, a pessoa começa a complicar.
00:55:53Começa a ter uma infecção atrás da outra, problemas alimentares, vai perdendo peso a despeito da alimentação,
00:55:59mostrando que a alimentação não é a falta da alimentação que vai fazer essa perda de peso.
00:56:04Então, assim, existem sinais que mostram o fim.
00:56:07Mas, antes desse fim mesmo, desse último ano, desses últimos seis meses, é difícil.
00:56:12Então, tem instrumentos que mostram para a gente, provavelmente, essa pessoa vai falecer nos próximos seis meses.
00:56:17Ou quando está na fase final de vida também, fica mais fácil.
00:56:22Então, tem casos e casos.
00:56:23Tem casos e casos.
00:56:25Mas tem também uma dificuldade do profissional de saúde de estar, como é que fala, confortável com isso.
00:56:37E até de saber mesmo.
00:56:39Tem muito médico que não trabalha com esse conhecimento da finitude, com esse conhecimento do prognóstico,
00:56:48que não utiliza isso mesmo.
00:56:50Isso a gente vê muito também.
00:56:51Então, eu acho que tem uma questão do profissional, mas tem também momentos em que é um desafio muito grande você bater o martelo.
00:57:00No câncer, é muito mais fácil.
00:57:02Você tem um prognóstico, assim, bem claro, de acordo com.
00:57:07Tem doença só local ou tem doença já em linfonodo, tem doença à distância, o tipo histológico desse câncer e tal, o prognóstico é tal.
00:57:15Mas, para outras condições, não é assim.
00:57:17Porque as pessoas geralmente vão morrer de câncer, de demência, das demências de uma forma geral,
00:57:26ou outras doenças neurodegenerativas, esclerose lateral ameotrófica, AVCs,
00:57:31ou do que a gente chama de falências orgânicas, uma essência cardíaca em fase terminal.
00:57:36Uma doença pulmonar obstrutiva crônica em fase terminal.
00:57:40Uma essência renal em fase terminal.
00:57:42Então, para as oncológicas, o prognóstico é um pouco menos desafiador.
00:57:48Eu tenho uma amiga que, também, nessa faixa etária que eu estou, a gente tem conversado muito sobre envelhecimento.
00:57:56É um tema que me agrada muito, que eu defendo muito aqui, no Interessa,
00:58:01porque eu acho que a gente precisa aprender a envelhecer, né?
00:58:05O nosso país está envelhecendo, a gente precisa aprender a envelhecer com dignidade.
00:58:10E ela me falou uma coisa, recentemente, que é em ter a morte como conselheira, né?
00:58:15A gente pensar na morte em vida.
00:58:17E o que seria isso?
00:58:18Eu falei, nossa, mas a morte como conselheira?
00:58:21E ela me disse assim, pensa nisso.
00:58:24Às vezes, você vai tomar uma decisão e você não sabe o que fazer.
00:58:28Pergunta para a morte o que ela faria.
00:58:29Pensa que ela é uma pessoa física que vai ali, bater na sua porta,
00:58:34e você vai poder se aconselhar com ela, né?
00:58:37Se aconselhar com a morte, olhar para a morte, de cara a cara com a morte.
00:58:41O que você falaria para ela, o que ela falaria para você?
00:58:45Então, dizer assim, eu faria essa viagem, morte?
00:58:50Eu devo fazer, você faria essa viagem, né?
00:58:52Você se deparar com ela, olhar para ela e pensar nas coisas que você faria em vida.
00:58:58Eu achei isso tão bonito e tenho pensado muito mais nisso a partir desse momento, né?
00:59:05Ela se ver durante o seu processo de vida, diante da morte, para tomar decisões mesmo,
00:59:12para viver com mais intensidade, viver com mais alegria.
00:59:17Eu acho que a gente precisa também pensar na morte para pensar nas nossas vidas, né?
00:59:21Porque no dia a dia, nas nossas escolhas, no dia a dia, quando a gente perde pessoas queridas,
00:59:26a gente fala, nossa, eu preciso viver melhor, a vida é tão curta, nossa, ela é tão breve.
00:59:32Aí, a gente passa dez dias, a gente entra nesse looping louco, que é a vida,
00:59:38e a gente já perdeu toda essa essência, né?
00:59:40Essa é muito tempo.
00:59:41De pensar no outro, a essência do pensar em si mesmo, né?
00:59:47Em pensar em que pessoa você quer ser em vida, né?
00:59:51E acho que a morte pode te dizer muito sobre isso, sobre essas escolhas.
00:59:55E assim, né?
00:59:57Quantas coisas a gente faz e a gente deixa de fazer só porque a gente tem a consciência da própria morte?
01:00:04Então, assim, ter consciência da própria morte, será que é isso que faz a gente humano?
01:00:12Né?
01:00:12Porque, assim, é...
01:00:15Gente, se a gente fosse ficar para a semente mesmo,
01:00:19tem um monte de coisas que a gente não ia fazer, que a gente ia adiar, que a gente ia deixar para depois.
01:00:24Então, assim, a consciência da própria morte dá um senso de urgência
01:00:27que faz a gente se realizar na vida, que faz a gente correr atrás das coisas.
01:00:31Então, assim, dá para a gente olhar a morte também como uma dádiva.
01:00:38A gente está usando muito mal esse recurso, tá?
01:00:40De termos consciência.
01:00:42Ah, e olhar como uma dádiva?
01:00:43É, porque assim...
01:00:45É ela que te faz ver a pessoa.
01:00:46Ah, eu quero viver para sempre.
01:00:47Será que quer mesmo?
01:00:48É.
01:00:49A gente já fez um programa desse, eu falei que eu queria.
01:00:51Eu não entendo.
01:00:52Mas imagine, é um tédio de, assim, daqui a mil anos você está acordando, fazendo a mesma coisa.
01:00:59E sem um limite ali, não tem um limite.
01:01:02E outra coisa, se você não tivesse um limite, né?
01:01:05Se fosse exatamente assim, você, por exemplo, ia ser tão intenso nas suas coisas, nas suas procuras, nas trocas.
01:01:12Eu acho que o ser humano seria outra pessoa.
01:01:14Eu também acho.
01:01:15Eu chego a pensar, assim, que eu não consigo nem imaginar um modelo teórico de como seria esse ser humano.
01:01:20Mas acho que ele seria um blazer.
01:01:21Eu também penso assim.
01:01:22Um costado.
01:01:23Ele não ia pedir desculpa.
01:01:24Ele não ia perdoar.
01:01:25Sabe, essa intensidade, você briga, você corre, de repente você xinga, você faz, mas como é que você...
01:01:31Isso tem tudo a ver com essa urgência que a gente tem de viver.
01:01:35Então, assim, a urgência de viver, que é a consciência, que vem da consciência da morte, que a gente quer, que não, né?
01:01:41E da passagem do tempo, ela dá um tom dramático para a nossa vida, dá um tom engraçado para a nossa vida.
01:01:48Dá mesmo, gente.
01:01:50Estar com pessoas, se você vai viver para sempre, você não faz conexão, não.
01:01:54Você vai querer ficar ali, mas liga o mesmo.
01:01:55Eu vou deixar isso para daqui a sete anos.
01:01:57É.
01:01:57E eu vou deixar isso.
01:01:58Aqui a gente faz o meu fim, lá.
01:02:01Aqui a não.
01:02:01Aqui a gente vai fazer isso.
01:02:03Vamos deixar isso para o próximo interesse.
01:02:04Mas que isso, Zaca?
01:02:05Olha só.
01:02:06Isso é muito incrível.
01:02:08A gente lançou hoje uma enquete perguntando para a galera.
01:02:11Já pensou na forma como você quer morrer?
01:02:13Se planeja para esse momento?
01:02:1688% responderam que...
01:02:19Não.
01:02:19Sim.
01:02:20Sim?
01:02:20Ah, é!
01:02:21Que gracinha a gente está por fora.
01:02:22Mentira.
01:02:23Gente, olha ali, não pode mentir na enquete.
01:02:26Não vai.
01:02:26Juro, é?
01:02:27Eu acho que são viés de seleção.
01:02:29As pessoas que vieram assistir.
01:02:31Ah, estão preparadas para isso.
01:02:32Estão preparadas para isso.
01:02:34Desconstruídos.
01:02:34É, porque tem gente que não quer nem ouvir falar.
01:02:36É.
01:02:37Eu votei na minha enquete aqui, gente.
01:02:39Coloquei nem pensar.
01:02:40Eu vou votar.
01:02:42Olha só, quero mandar um beijo para a Marilene Soares, que passou por aqui e falou que é natural
01:02:46a morte, gente.
01:02:47Que a gente tem que naturalizar.
01:02:48Muito que bem, Marilene.
01:02:49Aprendeu muito bem o que interessa hoje.
01:02:51Você já chegou com essa bagagem.
01:02:54Ó, recebemos a maravilhosa...
01:02:56Olha só, doutora Juliana, toda vez que você vem aqui, é esse rolê.
01:02:59O interesse tem uma hora.
01:03:01Com a senhora não dura uma hora.
01:03:02Então, você está desconvidada.
01:03:03Não, a gente podia ficar aqui mais, né?
01:03:06Eu não falei senhora não, porque eu não posso fazer isso com você.
01:03:10Da última vez, a Fabiane fez isso, né, Flávia?
01:03:13Foi.
01:03:13Foram 800 senhoras e eu não aprendi, ainda vi como senhora hoje.
01:03:16Não, gente.
01:03:17Me perdoa.
01:03:18Mas deixa eu só comentar, chamando senhora.
01:03:21Não.
01:03:22Pelo amor de Deus.
01:03:23Trazer a ideia da Renatinha.
01:03:25Qual é, gente?
01:03:26É isso como estéreo.
01:03:27Como nós falamos aqui desse rito de passagem e o apego que nós temos nessa questão materialista
01:03:33do rito da passagem e dessa angústia que dá, né, o caixão com o corpo ali sendo velado,
01:03:39ela falou muito do uso das fotografias.
01:03:42Fotos, imagens, vídeos, sabe?
01:03:44Momentos felizes, momentos em vida, eu acho.
01:03:47E música, né?
01:03:48Música, gente, eu fiz uma playlist pro...
01:03:52Meu pai sempre foi muito musical.
01:03:54Eu fiz uma playlist linda pro enterro dele.
01:03:56Então, foi um caixãozinho, pandemia ainda, foi 21, pouca gente, mas tava meu telefone
01:04:03lá encostado e só tocando as coisas que ele gostava.
01:04:06Achei uma delícia, assim, foi...
01:04:07E é importante a gente pensar nisso, né?
01:04:11Então, vocês pensam o que vocês querem, assim, de ser?
01:04:14Não, eu já contei, né?
01:04:15Eu acho que música, imagem e afastar um pouco.
01:04:20Não sei, com essa coisa de corpo, ainda não decidi, não, mas vou...
01:04:22Eu já decidi, eu quero um pozinho pra adubar.
01:04:24É, eu acho que isso é legal.
01:04:27Falei com a Flaviane hoje, acho legal.
01:04:28É uma cerimônia interessante, assim, simbólica.
01:04:31E mar, talvez, eu jogaria no mar.
01:04:35Eu gosto muito da ideia.
01:04:35Eu sou mais da terra.
01:04:38Eu acho que...
01:04:39Virar adubo mais rápido.
01:04:40Ela põe logo no mar, vou adubar esse negócio.
01:04:44Eu acho que tem que ser...
01:04:45Tem que ser leve e tem que ser poético, assim, de um jeito...
01:04:51Eu sou uma pessoa muito subjetiva e eu queria que fosse bonito, assim, que fosse leve.
01:04:58Que representasse também, né, Rei?
01:04:59É, que representasse o que eu fui em vida, assim.
01:05:03Eu ainda tô na imortalidade.
01:05:04Você tá esperando a resposta da minha.
01:05:05É, vai, vai, vai, pode.
01:05:06Eu era 517, cara.
01:05:09Não foi convencida.
01:05:10A gente se encontra daqui a pouco.
01:05:12Não, a gente tem que querer morrer.
01:05:14Não.
01:05:15Ah, querer, querer, eu quero não.
01:05:17Já tá indo longe de lá.
01:05:19Tá, tá, não, não, não, não.
01:05:21Aí já é demais, não.
01:05:22Não é muito pra mim.
01:05:23Não é que eu queira, não.
01:05:24Gente, mas assim, nosso produção já falou assim, Renata Sagrada, você esqueceu de encerrar o programa?
01:05:28Não.
01:05:28Ah, tudo bem, não tem problema, não.
01:05:30Não tem problema, não, né, Eli?
01:05:31Hoje a gente vai ficar aqui.
01:05:33Hoje a gente tá ficando.
01:05:34Eu quero mais uma vez te agradecer, doutora Juliana Elias Duarte, pela participação.
01:05:38Deixa seu arroba pro pessoal te seguir nas redes sociais.
01:05:41Meu Instagram é arroba doutora Juliana Duarte.
01:05:45Muito simples, by the way.
01:05:46Então sigam todos.
01:05:47Meninas, muito obrigada.
01:05:49Querem deixar uma dica, alguma coisa?
01:05:51Nossa, dica nesse momento?
01:05:53Aquelas, não, né?
01:05:55Escreva.
01:05:55Aquelas, eu acho que sim.
01:05:57Eu acho que a gente precisa pensar sobre isso.
01:06:01Dá um medinho, é um incômodo, mas é algo que a gente precisa vencer.
01:06:06Necessário, né?
01:06:07É necessário.
01:06:08Tem que parar de evitar esse assunto, vai rolar pra todo mundo.
01:06:10Antes todo mundo falar a respeito, né, não?
01:06:12Ó, Interessa Podcast chegou ao fim.
01:06:14Um beijo pra todo mundo.
01:06:16Sem bad vibes.
01:06:17Falar da morte não é bad vibes, tá?
01:06:19Um beijo pra você.
01:06:20Segue lá no arroba programa Interessa no Instagram.
01:06:23Muah!
01:06:23Até a próxima.
01:06:24Tchau!
01:06:24Tchau!
01:06:25Tchau!
01:06:25Tchau!

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