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00:00Você tem alguma memória com cena, assim, de alguma viagem, alguma corrida que você lembra com carinho, com cuidado?
00:09Tem, mas aí mais aquelas coisas que a gente fazia quando não estava falando de corrida ou de trabalho ou de nada.
00:19Desterol, dia a dia.
00:21Não consigo, assim, pensar em nenhuma coisa especial, assim, literalmente você via a pessoa toda semana, né, e aí eu sempre estava de jeans, uma camiseta, uma camisa, assim, aí eu lembro uma vez eu apareci com um brinco, sei lá porquê, com um batom rosa, porque nem batom eu uso.
00:45Nossa, estamos de batom rosa, então ela precisava daquela brincadeira, ou então ele falava assim, você precisava ter falado, posso falar palavrão?
00:53Pode.
00:54Você precisava ter mandado o cara a puta que barilha, eu falei, é porque você não estava lá, né, você bate na cara do cara, eu não posso mandar a puta que barilha, entendeu?
01:01E aí a gente ria, então a gente sabia, a gente sabia, essas horas que eram o mais legal.
01:08As horas que você chegava lá assim, posso falar uma coisinha que você não vai gostar?
01:13Aí ele falava, ah, tá bom, Betis, vai, sempre você vai, é quando você percebe nos mínimos detalhes que tem aquele carinho, que tem aquela, enfim, que você tem um relacionamento bom, que você consegue brincar.
01:28Ele, é, ele não tinha nenhum senso de humor, então até quando ele queria ser engraçado, era sem graça.
01:35Mas você percebia que ele já estava mais relaxado, que ele só, enfim, que ele brincava, sabe, do jeitão dele, né.
01:43Ou, é, não sei, são coisas que vão acontecendo todo mundo, eu lembro uma vez também que ele ouviu eu falar pra alguém, falar, nossa, estou querendo emagrecer, alguma coisa qualquer.
01:52Aí ele passou no motor, eu estava comendo, eu devia estar com um pratão na minha frente, porque ele falou, ué, eu achei que você queria emagrecer.
02:00Eu falei, eu não disse que eu queria parar de comer, eu disse que eu queria emagrecer.
02:03Sabe, essas pequenas detalhes que você percebe, enfim, sei lá, brincadeiras nossas, de, que eram momentos que ele estava sem nenhum mango.
02:13Defesa.
02:17Você realmente, é, teve um, né, de quando a gente estava na casa dele em Portugal, ele acorda, não sei, com qualquer um, entendeu.
02:26E a gente também, aí se encontra na hora do almoço, fala, não, vou pra lá, sei lá, coisas assim, coisas que a gente, quando a gente conversava de outras coisas,
02:34não era, eu e meu chefe, apesar de, obviamente, eu sempre sabia que ele era meu chefe, né.
02:43Vejo que você teve uma relação com o Senna, além do profissional, né, óbvio, tinha ali a intimidade entre amigos mesmo.
02:50E, olhando por esse lado, você acha que teve alguma corrida, alguma vitória dele?
02:54A gente sabe que as vitórias dele marcam muito o brasileiro, a pessoa que assistiu e tals.
02:59Mas você acha que teve alguma vitória que marcou muito ele, que talvez tenha passado despercebido aqui, pra quem estava assistindo e tudo mais?
03:09Despercebido, acho que não, porque quem conhece, quem segue Fórmula 1, e principalmente quem é fã dele, vai saber, né.
03:16Tem as óbvias, que foi a primeira vitória, o primeiro pódio, o primeiro campeonato mundial, e, obviamente, Donington.
03:24Donington foi, que eu consigo me lembrar, assim, a mais especial, porque foi o resultado de uma estratégia enorme, não só naquele dia na pista, como do ano inteiro, né.
03:43Então, o Donington, logo no começo do ano, já sabia que o carro dele era muito pior, e sentou e falou, ó, dá pra ganhar, Donington, Mônaco, Hungria, sabe quando você sabe assim, esse aqui, se a gente trocar bem, dá, assim, assim.
04:03Não, né, não vamos ganhar SPA, porque é motor, não, enfim.
04:10Então, o Donington foi super especial, porque foi uma que, ele achou que podia, mas não tinha certeza, ajudou o fato daquela chuvona, que foi perigoso pra caralho.
04:23Então, isso também é outra coisa que as pessoas falam, nossa, ele adora correr na chuva, não, ele não gostava de correr na chuva, como ninguém gostava, ele também achava perigoso.
04:34Ele só tinha um domínio melhor, melhor, e achava, acreditava, tinha a crença que ele tinha, então, vantagem.
04:41E, ainda teve toda aquela história de, não me lembro, mas acho que os Williams trocaram de pneu cinco vezes, né, teve aquela primeira volta espetacular, e pra mim, assim, quando acabou que ele ganhou, né, que ele ganhou, a sala de imprensa literalmente se levantou e aplaudiu.
05:02É difícil esquecer isso, é difícil, eu acho que aquela volta foi espetacular.
05:11Junto com isso, eu diria a primeira, a primeira vitória no Brasil, aquela que ele realmente passou mal e, né, acabou com dor no braço, não conseguia nem levantar o troféu.
05:26Se eu tivesse que dizer, eu falaria esses dois, como, né, momentos que realmente devem ter ficado na cabeça dele.
05:36Eu acho que um desses momentos, fora das corridas, com certeza marcou o Brasil, foi aquele primeiro de maio de 1994, e, assim, você esteve nessa história,
05:48e a dualidade ali, como amiga dele, como profissional, né, você lidou, acredito, tenha lidado com muitas emoções nesse dia.
05:57Conta um pouco pra gente, como é que foi aquele GP, do seu ponto de vista, e do ponto de vista também do que estava por trás de tudo aquilo.
06:06Enfim, um fim de semana que eu acho que quase todo mundo já sabe, o fim de semana inteiro foi trágico,
06:15o, como fala, a atmosfera ali foi horrível, no dia da corrida era horrível, porque, enfim, tinha morrido, né, o Ratzenberg no dia anterior.
06:30No dia anterior, por causa disso também, o Ayrton se recusou a falar com a imprensa e se recusou até a falar comigo.
06:40Na verdade, ele não se recusou a falar, eu sabia que ele não ia falar, porque você não falou com nenhuma imprensa.
06:46Eu já fui, como eu te falei, eu já vou lá na minha.
06:48Ele estava trancado lá, eu ainda falei, eu abri, e ainda falei, bom, Ayrton, olha, só estou, então, confirmando que não vou fazer, então, por essa crise de hoje, né, não tenho o que falar.
07:03E você não, pra você não ter que falar comigo, eu acho que você não quer falar com ninguém.
07:09Então, assim, deixei meio aberto, porque se ele quisesse, porque afinal era dele, né, o trabalho todo lá.
07:16Aí ele falou assim, não, não, não quero falar.
07:21Aí foi quando ele falou, Betícia, ele morreu na pista.
07:24Ele morreu na pista, eu não tenho cabeça pra falar nada, eu não quero falar nada.
07:29Tive até a maior briga com o Charles, que queria, queria, porque não ia fazer nada, porque não ia ter press release,
07:35mas não posso fazer nada, você quer que eu possa, porque eu entro lá e abri o cara falar comigo.
07:39Ele nem falou com nenhum outro, porque eu disse que eu tenho uma frase pra te dar.
07:42E, claro, não contei pro Charles que o Ayrton tinha me dito que o cara morreu na pista.
07:52Então, isso tudo já foi estranho, no dia seguinte, quando ele chegou, ele já chegou estranho.
07:58Foi tudo muito tenso, foi tudo muito tenso.
08:00Em nenhum momento eu pensei, nem depois do acidente, nem nada, como amiga, que eu também não acho tão amiga,
08:12uma coisa mais pessoal.
08:14O tempo inteiro você tá de camiseta, de camisa de trabalho, né.
08:20Logo que eu vi o acidente, não achei, quer dizer, ele já tinha tido outros acidentes,
08:26então, e ele não tinha ganhado nenhuma das outras duas corridas, ele não tinha nem pontuado as outras duas corridas.
08:33Tava desconfiando que o Carlos Schumacher era ilegal,
08:39então, já estava de mau humor por causa disso também.
08:43Então, quando ele bateu, eu literalmente peguei minha bolsa e desci, falando,
08:48ai, meu Deus, mais mau humor, mas assim, o que nós vamos falar?
08:54Quando acontecia assim, eu descia pra tentar descobrir por que lado que ele vinha,
08:59porque o carro pegava ele, normalmente pegava ele onde ele quebrou na pista, digamos assim,
09:04ou às vezes até de moto, voltava, pra ver que lado que ele ia chegar,
09:09pra tentar chegar antes e não deixar ele ser afrontado por repórteres e falar uma besteira.
09:21Mas assim, ele nunca, obviamente, saiu do carro.
09:26Quando eu desci, tava todo mundo na Williams olhando pra o monitor,
09:31também sem nenhuma resposta, no fim, foi acontecendo, foi acontecendo.
09:36Vamos levar, teve a história do motorhome com o Bernie Ecclson,
09:41toda história que eu já contei.
09:43Eu fui de piloto automático.
09:47Nossa, agora, nossa, tem que pegar um, sabe?
09:50Tem que pegar um Leonardo, não pode esquecer, não, liga pra família do Brasil,
09:54alguém tem que fazer isso aqui, cadê a maleta dele?
09:58Uma coisa meio assim, avisa a Adriane em Portugal.
10:00Você vai fazendo o que, o que, você tem que ir em meio, como diz o inglês,
10:08é, you go along, enquanto as coisas vão acontecendo, porque não é mais.
10:13É uma situação completamente inusitada.
10:16Alguém tem algum caderno, alguma tem uma regra,
10:18pra quando você chega no hospital com o seu piloto lá de helicóptero,
10:21você faz alguma coisa específica?
10:22Não, você faz, né?
10:23Ó, as pessoas já tão lá, tão te levando, eu sou fulano de tal.
10:26E assim, o Joseph tava comendo, precisamos de uma sala pra colocar o, né,
10:33uma sala privada pra colocar o Leonardo, enfim, aí chama uma, sobe um, um.
10:40Aí, como que vai falar com o médico?
10:42Como que eu vou passar notícia?
10:43Você vai fazendo, você vai fazendo.
10:46A ficha só caiu lá de noite, quando voltei pro motorhome,
10:50que realmente aí eu já tinha até oficialmente sido declarado morto.
10:53E aí, quando eu sentei lá, que eu pegava minhas coisas na pista,
10:59e realmente eu fui soltar a eu, chorava sem respirar, assim.
11:06As coisas, o amigo e o trabalho separam por uma obrigatoriedade circunstancial, digamos assim.
11:24E eu acho que assim, inclusive nesse texto que, no seu blog,
11:28quando você fala do que rolou com o Berner e no motorhome,
11:31você começa dizendo, se eu não me engano,
11:34era que esse assunto sempre teve muita desinformação,
11:39formação desencontrada.
11:42Nesse tempo pra cá, desde quando eu comecei a acompanhar a Fórmula 1,
11:45uma dessas histórias que eu vi era que o Senna buscava homenagear o Ratzenberg naquela corrida.
11:52Alguns dizem, ah, ele buscava homenagear caso ganhasse.
11:55Desconfio dessa versão, porque eu acho que ele não esperava ganhar uma corrida após abandonar duas, né?
12:01Mas ele tinha, de fato, essa intenção de prestar uma homenagem ali pro piloto que faleceu no dia anterior à morte dele?
12:09Tinha.
12:10Tinha a intenção de ganhar, sim.
12:13Certeza que ele ia ganhar, não.
12:15Mas ele tinha, sabe aquela coisa meio assim,
12:20não, vou homenagear o cara.
12:22Eu acho que se o cara não, se ele não ganhasse,
12:24ele também ia tirar a bandeira e homenagear do mesmo jeito.
12:27Imagino.
12:28Também não dá pra eu pensar.
12:30Mas, é...
12:32Esse papo aconteceu e ele, com certeza, queria fazer.
12:38E dentro, eu acho que...
12:41Que ele achava que podia ganhar.
12:45Ele tinha aquela...
12:49Aquela certeza que eu imagino que...
12:51Certeza.
12:53Aquela vontade, aquela determinação que eu imagino que todo piloto que tem um pouquinho de chance tem.
12:59Quando senta num carro.
13:01Certeza não...
13:03É, é um pouco demais, mas, entendeu?
13:06Sim, ele tinha.
13:07Ele ficou bem chocado com a morte do cara.
13:11Ele ficou injuriado, que nem parar a corrida podia, porque não...
13:17Nem podia dizer pros outros.
13:19Então, quer dizer, a morte de um cara ia ficar...
13:22Sei lá, não sei como explicar, porque...
13:25Ele ficou injuriado de falar.
13:27A gente nem pode dizer, porque senão tem que cancelar a corrida.
13:30Ele falou isso bem puto pra mim.
13:33Bem injuriado, bem revoltado.
13:40Então, ele tava com essa gana, sabe?
13:44Com essa...
13:44Com essa vontade de mudar as coisas lá também.
13:49No dia seguinte do acidente.
13:52Do Ratzenberg.
13:54Teve a reunião dos pilotos.
13:56E ele foi pra lá, já querendo começar essa história de...
14:01Chamar outros pilotos pra...
14:04Fazer a Fórmula 1 mais segura.
14:06Começar a discutir.
14:08Isso ele tinha.
14:09Quando ele...
14:10Quando ele...
14:10Quando aconteceu alguma coisa que ele não concordava...
14:14E ele queria mudar...
14:16Nada parava esse cara.
14:18Nada.
14:19Nada.
14:20Ele...
14:22Ele...
14:23Ele...
14:23Batia na teca.
14:24Fazia todo mundo se engajar.
14:26Aí ele...
14:26Entendeu?
14:27Então...
14:27É por isso que eu acho que ele realmente...
14:30Queria ganhar.
14:32Se ele ia ganhar, não sei o que dizer também.
14:37Pela...
14:37Pela característica de Himmler.
14:39E tudo difícil com o carro que ele tinha.
14:42Mas você viu como ele tava dirigindo e tava na frente.
14:45Então, sei lá.
14:46Também é meio...
14:48Mas que a intenção tinha.
14:50Que ele tinha a bandeira.
14:52E que ele disse que ia pôr do carro.
14:53Se ele pôs...
14:54Eu não sei o que dizer.
14:55Mas a ideia era pôr lá mesmo.
14:58Então, de fato, ele tinha, né?
14:59Essa ideia de...
15:00Caso vencesse...
15:01Essa ideia é que o Chico ele queria financiar.
15:04É.
15:04É.
15:04Não sei se dá...
15:06Porque o carro era tão apertado.
15:08Colocar uma bandeirinha.
15:08Meio que fosse pequeno lá dentro.
15:10Eu imagino que...
15:11Se ele realmente chegou a pensar nisso antes de sentar no carro.
15:17Bem antes, né?
15:18Talvez ele tenha falado pra alguém.
15:20Se eu ganhar, vai com a bandeira em tal lugar que eu pego.
15:23Sei lá.
15:24Isso eu realmente não sei te dizer.
15:26Não sei nem se...
15:27Mas que houve a história.
15:30O papo houve.
15:31O papo houve.