Para se definir o legado material da experiência afro‐portuguesa, temos, em primeiro lugar, de referir a questão das transferências culturais, fenómeno constante da expansão portuguesa, relacionado com a miscigenação, que não impediu os processos de dominação de classe e respectivos conflitos sociais. Depois, o facto de Portugal constituir um pequeno território situado na periferia europeia, dispondo de diminutos recursos e escassa população, e com uma administração longínqua, mas centralizadora. Estas condições intensificaram os processos de convergência etno‐social das comunidades em presença, tornando‐se assim um recurso para resolver as próprias dificuldades estruturais. Assim se criaram comunidades novas, como a cabo‐verdiana, num arquipélago povoado por uma população mestiça maioritária, “inventada” do nada, que constituiu, anos mais tarde, uma base de “exportação” de quadros e técnicos para servir em outras áreas luso‐africanas, como as continentais de Angola e Moçambique. Assim se implantaram populações euro‐africanas assentes em sistemas agro‐comerciais, como aconteceu em algumas bacias fluviais (Kwanza e Zambeze), onde vieram a assegurar o domínio desses espaços. Assim foi possível, no encontro de culturas raro mas sublime dos micro‐espaços do Ibo ou da Ilha de Moçambique, criar espaços edificados de grande beleza, resistentes à erosão secular em rara síntese ou coexistência – não isenta de “violência estrutural” – das culturas e etnias africana, indiana, hindu e islâmica com a europeia.
Mais recentemente, quer na fase oitocentista, quer na época salazarista, as colonizações por comunidades transportadas, com apoio estatal, a partir de locais remotos do Portugal ibérico ou de outras áreas do espaço colonial foram recurso frequente. Vejam‐se os casos de Moçâmedes/Namibe (edificada por imigrados luso‐brasileiros e algarvios) ou de Sá da Bandeira/Lubango (por madeirenses); ou, nos meados de Novecentos, das colónias agrícolas dos rios Cunene e Limpopo, assentes em famílias das Beiras e de outras regiões agrícolas do Portugal europeu.
Outro aspecto estruturante, no campo político‐social e económico, foi o do comércio de escravos, em que Portugal foi pioneiro e protagonista pelo papel que desempenhou na captura, comércio e exploração de negros entre a África e o Brasil, por um lado, e a África e Índia, por outro. Criou assim um verdadeiro sistema de interface e uma fonte permanente de recursos para alimentar as plantações brasileiras de cana‐de‐açúcar ou para suportar as atividades, possessões e comércio do Oriente, da Índia ao Japão. Sistema esse que se baseava em dois núcleos principais: o Golfo da Guiné e Angola – na relação direta com o Brasil; e Moçambique e área afro‐oriental – na articulação com o Estado da Índia. Tráfico negreiro que se refletiu ainda nas formas iniciais da ocupação lusa. Assim, na fase que perdurou até meados de Oitocentos, o sistema de ocupação insular e territorial destas áreas africanas privilegiou a criação de espaços de segurança militar para obtenção da “mercadoria” que assentavam nas fortalezas e nos fortes costeiros e fluviais, visando a defesa contra as populações locais e a concorrência europeia, sobretudo holandesa. Espaços militares a que estavam por vezes adstritos pequenos núcleos, feitorias, povoados e até cidades, onde o tráfico se realizava: da Mina a Luanda, de Cabo Verde à Ilha de Moçambique. O Forte de São João Batista de Ajudá, tardio embora, atesta o toque final desta lógica militar‐comercial no golfo guineense.
CEDIDAS IMAGENS GENTILMENTE E DE FORMA GRATUITA PELO “ SR. JOAQUIM FURTADO/R.T.P.”/PROGRAMAS/CONTEÚDOS”À NOSSA A.V.C.U.P., O QUE DESDE JÁ FICAMOS MUITO AGRADECIDOS.UM GRANDE BEM HAJAM.
Mais recentemente, quer na fase oitocentista, quer na época salazarista, as colonizações por comunidades transportadas, com apoio estatal, a partir de locais remotos do Portugal ibérico ou de outras áreas do espaço colonial foram recurso frequente. Vejam‐se os casos de Moçâmedes/Namibe (edificada por imigrados luso‐brasileiros e algarvios) ou de Sá da Bandeira/Lubango (por madeirenses); ou, nos meados de Novecentos, das colónias agrícolas dos rios Cunene e Limpopo, assentes em famílias das Beiras e de outras regiões agrícolas do Portugal europeu.
Outro aspecto estruturante, no campo político‐social e económico, foi o do comércio de escravos, em que Portugal foi pioneiro e protagonista pelo papel que desempenhou na captura, comércio e exploração de negros entre a África e o Brasil, por um lado, e a África e Índia, por outro. Criou assim um verdadeiro sistema de interface e uma fonte permanente de recursos para alimentar as plantações brasileiras de cana‐de‐açúcar ou para suportar as atividades, possessões e comércio do Oriente, da Índia ao Japão. Sistema esse que se baseava em dois núcleos principais: o Golfo da Guiné e Angola – na relação direta com o Brasil; e Moçambique e área afro‐oriental – na articulação com o Estado da Índia. Tráfico negreiro que se refletiu ainda nas formas iniciais da ocupação lusa. Assim, na fase que perdurou até meados de Oitocentos, o sistema de ocupação insular e territorial destas áreas africanas privilegiou a criação de espaços de segurança militar para obtenção da “mercadoria” que assentavam nas fortalezas e nos fortes costeiros e fluviais, visando a defesa contra as populações locais e a concorrência europeia, sobretudo holandesa. Espaços militares a que estavam por vezes adstritos pequenos núcleos, feitorias, povoados e até cidades, onde o tráfico se realizava: da Mina a Luanda, de Cabo Verde à Ilha de Moçambique. O Forte de São João Batista de Ajudá, tardio embora, atesta o toque final desta lógica militar‐comercial no golfo guineense.
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