Dom Odilo Scherer, cardeal-arcebispo de São Paulo, comenta o interesse dos jovens pelas propostas cristãs e como a igreja pode cumprir papel fundamental para fortalecer ainda mais os valores religiosos.
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NotíciasTranscrição
00:00E esse apostolado, que é tão importante da igreja, nós temos que sair pra pregar, né?
00:06Interessante, como começando com o Papa João Paulo II, ele começou a atrair os jovens,
00:12coisa que o Papa Francisco também dá muita continuidade.
00:16Então, apesar de todo mundo dizer que a religião, a igreja está em crise,
00:20não, nós vemos um número significativo de jovens cada vez mais voltando para a igreja
00:26ou se dedicando à igreja.
00:29Como é que é essa assimetria na visão entre o que as pessoas acham que é uma crise
00:34e, na verdade, há uma espécie de ressurreição desta fé entre os jovens?
00:39Uma coisa tão bonita.
00:41Sim, é inegável que há momentos de crise.
00:44Há momentos de crise em que a igreja é chamada a refletir o que está acontecendo, né?
00:52Por que não estamos alcançando os jovens de maneira adequada?
00:55Por que os jovens, de repente, não se identificam com a igreja em certas circunstâncias?
01:03E por isso é preciso, sim, a igreja refazer, digamos, as suas metodologias,
01:09eventualmente a sua forma de pregar e assim por diante, de se dirigir aos jovens.
01:13Mas é verdade, sim, os jovens sempre representam a possibilidade de um recomeço ou de uma retomada.
01:22Isso já está acontecendo também.
01:24Agora, eu vejo de experiência própria, nas nossas paróquias aqui em São Paulo,
01:32nós temos muitos batizados de jovens e adultos.
01:36Nós temos muitos que procuram a catequese e a primeira comunhão já como jovens ou adultos.
01:44E crismas, então, é um grande número que o fazem, dos que o fazem.
01:49De maneira que existe, sim, esta nova busca.
01:54Porém, é claro, os tempos hoje, a cultura midiática, as muitas ofertas religiosas e assim por diante,
02:04colocam o jovem diante de muitas opções, escolhas.
02:08E, é claro, é preciso colocar de maneira clara, de nossa parte, também, a proposta católica, a proposta cristã,
02:18para que eles a possam conhecer e escolher livremente e conscientemente.
02:24Agora, interessante, conversando com esses jovens,
02:26que é justamente essa ausência de valores, de referência,
02:31é que faz encontrar na igreja, nos valores cristãos,
02:34ali um balizamento para a conduta da sua própria vida, da sua vida familiar,
02:38construir a sua própria família.
02:41Essa ausência de valores no mundo está ajudando a resgatar os valores cristãos
02:49entre os jovens e entre outras pessoas que se sentem órfãos,
02:54de não haver mais esse balizamento dos valores que antigamente faziam parte da nossa natureza, da nossa sociedade.
03:00Sim, sem dúvida, essa é uma explicação possível, né?
03:06É que o jovem, por natureza, procura.
03:11Ele, por natureza, é não conformista.
03:15E, portanto, quer com uma oferta religiosa massiva, digamos,
03:22ele pode não ser conformista, rejeitando-a.
03:25Mas, também, diante de uma cultura de massa que tem ausência de valores religiosos
03:32ou valores consistentes para ele orientar a sua vida,
03:35ele também é crítico diante disso e começa a procurar.
03:39E, acredito que isso é um fenômeno contemporâneo bastante significativo.
03:44Digamos, a sociedade de consumo, as comodidades que a cultura contemporânea oferece,
03:54levam a uma saciedade daquilo que poderia ser o consumo de bens, quaisquer que sejam, imediatos.
04:05Porém, resta sempre a pergunta, mas é só isso?
04:08O coração quer mais, o coração está em busca de mais.
04:12E vem aí a busca de valores mais sólidos e mais perenes.
04:17E, por isso, sim, esta volta, talvez, à busca de valores religiosos consistentes,
04:24que embasem a construção de um projeto de vida sério.
04:28E esta é a nossa missão.
04:30Esta é a nossa missão, que muitas vezes é difícil.
04:34O que eu posso dizer é que nós, muitas vezes, temos a dificuldade de acessar, digamos assim, a onda jovem.
04:43Talvez por uma dificuldade de linguagem nossa,
04:47talvez porque há outras ondas que falam mais forte.
04:51Porém, há um momento em que as pessoas se perguntam,
04:53mas espera aí, é a palavra da igreja?
04:56Ela não é de hoje?
04:58Não é de uma onda que passou e já depois vem outra?
05:02Não, isso vem de longe.
05:05E depois, esta palavra da igreja, ela é acolhida, não por poucas pessoas,
05:09mas por tantas pessoas que, ao longo do tempo, levam isto a sério e numa lógica.
05:16E pode ter suas pequenas variações, mas ela continua, ela se estende ao longo do século.
05:23Então, é alguma coisa consistente.
05:25É interessante ver como existe o fenômeno também de conversões.
05:31De pessoas que leem sobre a história da igreja,
05:37de repente, descobrem as coisas de uma forma que nunca tinha imaginado.
05:41Porque tinha sempre ouvido falar, talvez, da igreja a partir de certos clichês,
05:47preconceitos históricos que vão se repetindo nas salas de aula, etc.
05:52De muitas maneiras, de repente, começa a ler a história da igreja
05:56de uma forma diferente e documentada
06:00e percebe uma outra visão da própria igreja a partir da sua história.
06:08Da qual não se negam falhas, não se negam erros e assim por diante.
06:13Mas só o fato da igreja ter atravessado séculos, ter atravessado séculos difíceis,
06:21perseguição de crises internas, até mesmo de desorientação em certos momentos,
06:31mas sempre ter de novo tomado rumo e se reaprumado.
06:36Isso é um fenômeno, é um fenômeno que faz pensar.
06:41E neste itinerário da história, que são dois mil anos, quase dois mil anos agora,
06:48existe uma continuidade, existe uma lógica, existem as orientações que perpassam
06:55e, sobretudo, existe a base consistente que permanece.
07:00E a afirmação, a base consistente é essa, a referência a Jesus Cristo,
07:05a afirmação sobre Jesus Cristo, a antropologia cristã,
07:10como em base à fé cristã se vê também a pessoa humana,
07:15se tem a compreensão do mundo, a compreensão da vida.
07:20Isso, finalmente, oferece uma base consistente sobre a qual construir a vida.
07:26Dom Dino, o senhor tocou num ponto muito importante.
07:29Essa instituição perene da igreja que sobreviveu há dois mil anos
07:33e foi se readaptando, readequando a novas realidades ao longo do tempo.
07:39E períodos históricos complicados.
07:41Nós tivemos as guerras religiosas, nós tivemos a reforma e a contra-reforma,
07:46nós tivemos depois o mundo secular, triunfando.
07:49E, então, isso dá esperança de que, apesar de toda mudança do mundo,
07:54os valores transcendentais permanentes continuam a triunfar.
08:00Então, eu gostaria de trazer um pouco dessa experiência para o mundo de hoje.
08:03Muito da compaixão de Cristo, como Cristo nos ensina,
08:08essa solidariedade, o amor, tem a ver com viver em comunidades.
08:15Hoje nós vivemos nessa grande cidade, como é o caso de São Paulo,
08:19onde está cada vez mais difícil exercer essa compaixão e essa solidariedade
08:26no momento no qual a cidade está engolida por violência,
08:31por um sentido de distanciamento das pessoas, polarização.
08:36Como é que nós, como cristãos, e que valorizamos esses valores,
08:43podemos resgatá-los nessa sociedade cada vez mais tensa, polarizada e dividida?
08:51Sim, é uma questão muito séria.
08:55E, para responder diretamente a sua pergunta, o que nós podemos fazer?
09:02Primeiramente, por parte da igreja, é manter firme o rumo.
09:07É manter firme o rumo.
09:08Alguns vão dizer, ah, isso é conservadorismo?
09:11Que digam.
09:13Mas a igreja precisa manter firme o rumo sobre as suas convicções,
09:19sobre as suas indicações morais, éticas para a vida,
09:24sobre a sua, digamos, o seu discurso em relação aos valores compartilhados
09:31na convivência social, que é, por exemplo, a justiça,
09:36o respeito, a dignidade da pessoa,
09:39a fraternidade, a fraternidade essencial, né?
09:45Das pessoas, de todas as pessoas.
09:48Depois, uma outra coisa que, às vezes, passa desapercebida,
09:54mas é o destino comum, o destino comum dos seres humanos.
10:00Nós estamos todos no mesmo barco, né?
10:04E começar a brigar no barco,
10:06arrisca todo mundo se matar e afundar o barco junto também.
10:10Pois é, manter o rumo, manter o discurso coerente.
10:13Pode isso, por um tempo, não ter muitos ouvidos,
10:18mas depois vai ter ouvidos de novo, né?
10:22Eu dou um exemplo, um exemplo muito, diria,
10:28é, talvez possa até chocar alguém.
10:30Sobre o discurso do aborto, por exemplo.
10:35Hoje, existem muitas tendências, movimentos, etc.,
10:40para legalizar o aborto, até mesmo a nono mês,
10:43como há em vários países, né?
10:45Bem, a legislação civil vai pelo seu caminho,
10:49porém, ela pode ser questionada,
10:53e deve ser questionada, quanto à sua consistência, né?
10:56Quanto à validade de tal legislação.
11:01A igreja não é favorável ao aborto.
11:05A igreja é a favor da vida,
11:06e por isso há o respeito pleno da vida nascente,
11:09mesmo não ainda nascida.
11:13Agora, se nosso discurso se adequasse simplesmente
11:17à onda do momento,
11:18ah, então pode, tá?
11:20Pode, pode, pode.
11:24Daqui a uns 50 anos, ou menos,
11:27esse discurso todo favorável ao aborto,
11:30pode mudar.
11:32Pode mudar.
11:33E a tendência é mudar,
11:34porque os países estão se empobrecendo de população.
11:39Certos países já estão com problema sério
11:41de sustentabilidade da própria população.
11:47Tendem a desaparecer como população.
11:49Esse discurso, portanto,
11:52de repressão da naturalidade,
11:54vai mudar.
11:57E nós vamos, portanto, ir ao sabor, né?
12:00Dos ventos, não, não.
12:01Dos ventos, ou vamos manter um discurso coerente
12:04em base a valores
12:07que podem não ser compreendidos agora,
12:09mas serão.
12:11Eu dou outro exemplo chocante.
12:13A tortura.
12:18A tortura aprovada em certos momentos,
12:21em certos lugares, em certos países.
12:24Poderíamos dizer, bem, pode.
12:26Pode.
12:28Porque pela tortura consegue certos resultados,
12:31talvez de investigação,
12:33ou de repressão.
12:35A igreja não aprova a tortura.
12:38Porque é profundamente contra a dignidade humana.
12:41Contra a dignidade humana.
12:44Em regimes totalitários,
12:47a posição da igreja é criticada fortemente.
12:52Se a gente se adequasse simplesmente
12:54ao sabor dos regimes,
12:56ou do reinante de plantão,
12:59a igreja perderia totalmente a sua autoridade.
13:02A sua autoridade moral.
13:05Ela mantém uma postura coerente.
13:08Ela mantém uma postura coerente,
13:09não sempre aceita,
13:11não sempre compreendida.
13:13Mas isso fortalece, claramente,
13:15a sua credibilidade.