Vitória era assim "em 1860" (Texto de Levy Rocha - 1960)

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Vitória era assim "em 1860" (Texto de Levy Rocha - 1960).

Há cem anos atrás, a capital da província do Espírito Santo, muito embora já gozasse dos foros de cidade, não passava de um povoado cuja resistência aos hábitos e tradições coloniais entravava o progresso. Sua população pouco excedia a cifra de cinco mil habitantes, vivendo a maioria com o produto da pesca e avassalada pelo marasmo e a indolência.

Sem obedecer a qualquer regularidade ou simetria, Vitória se apertava em anfiteatro, à margem de plácida baía, ruazinhas estreitas, tortuosas, escorregadias, procurando o paralelismo da praia, ou subindo as rampas do morro desbeçado pelas enxurradas e enfeitado pelas ramas de melões de São Caetano, perdendo-se em becos ou vielas ladeiraosas e labirínticas.

Ruas ou ruelas, algumas apertadíssimas, tomadas pelo vicejante capim pé de galinha, calçadas ou não, com pedras disformes, como a Ladeira do Pelourinho, ao longo da qual não passavam três homens em linha de frente, famosa por nela ter morado, outrora, em um sobrado, a heroína Maria Ortiz, que fizera recuar os holandeses, jogando sobre eles água fervente. Ruas dos Pescadores, da Capelinha, do Comércio, do Pôrto dos Padres, de Santa Luzia, da Fonte Grande, Ladeira de Pernambuco. Largo da Conceição. Pélame e a pitoresca e modesta rua da Várzea. Na rua das Flôres, outro vulto da história capixaba, o herói Domingos Martins, cabeça da Revolução Nativista Pernambucana de 1817, vivera parte de sua infância. Ah! eu já me ia esquecendo da rua do Ouvidor, antiga rua da Praia, que, nem ao longe, pelo aspecto modesto, podia fazer lembrar a sua homônima da Côrte, e a rua do Piolho...

As casas, em grande parte assobradadas, algumas com janelas de vidraças em côres, balcões de madeira e portais de pedra, entalhados em Portugal, trazidos como lastro dos navios, casas ou choupanas, cabriteavam em desordem a encosta, repousadas em esteios suplementares, em estacas, ou sôbre velhas bases de alvenaria.

Nos telhados limosos, telhas em canoas, e nos seus beirais, chilreavam as cambaxirras, revoluteavam as andorinhas, cresciam plantas audaciosas, adubadas pelos urubus (os mais eficientes «funcionários» da Limpeza Pública), que se postavam a cavaleiro, no convexo das cumeeiras, abrindo as asas para se requentar ao sol.

A vista da baía era sempre agradável, especialmente quando postado o observador mais de longe, para abarcar o conjunto emoldurado pelo verde da vegetação; o extenso mangal da preamar; as fruteiras das chácaras e dos pomares e a mata que vestia os elevadaços.

Desembarcava-se no Cais das Colunas, situado abaixo do Palácio da Presidência; no da casa do Azambuja; no Cais Grande, onde atracavam as sumacas; ou no Cais do Santíssimo, do Batalhão ou o Pôrto dos Padres.

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